Os números do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025 reforçam uma triste constatação: as mulheres negras continuam sendo as principais vítimas da violência no país. Em 2024, 63,6% das vítimas de feminicídio eram negras, e 70,5% tinham entre 18 e 44 anos. A maioria morreu dentro de casa (64,3%), morta por companheiros ou ex-companheiros (79,8%), um retrato cruel de como o ambiente doméstico, que deveria ser de proteção, segue sendo palco de violência e morte.
O estudo também mostra o aumento da violência psicológica (+6,3%), do stalking (+18,2%) e da demanda por medidas protetivas de urgência, que cresceram 6,6% em 2024. Ao todo, a Polícia Militar foi acionada 1.067.556 vezes por violência doméstica, o que equivale a dois chamados por minuto.

A violência sexual também atinge de forma desproporcional meninas e mulheres negras. O país registrou o maior número de estupros e estupros de vulnerável da história, com 87.545 vítimas, sendo 76,8% do sexo feminino e 67,5% menores de 13 anos. Entre as vítimas LGBTQIAP+, 78% das pessoas trans estupradas eram negras.
Os dados escancaram como o racismo estrutura a violência de gênero no Brasil. As agressões e mortes de mulheres negras não podem ser vistas apenas como crimes individuais, mas como reflexos de um sistema que naturaliza a desigualdade racial e o controle sobre os corpos femininos. Essa realidade é reforçada pelo crescimento dos casos de injúria racial (+26,3%) e racismo (+41,4%), revelando que a violência simbólica e estrutural também segue em alta.
Especialistas apontam que, enquanto mulheres negras estiverem à margem do acesso à justiça, à renda e à segurança pública, o país continuará reproduzindo ciclos de exclusão e violência. A luta de 10 de outubro, portanto, é por todas, mas principalmente por aquelas que enfrentam, todos os dias, o peso de ser mulher e negra no Brasil.
Essa desigualdade não é recente. Segundo dados consolidados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, desde 2015 as mulheres negras representam, em média, mais de 60% das vítimas de feminicídio no país, um índice que se mantém praticamente estável há uma década, apesar da criação da Lei do Feminicídio e do avanço de políticas públicas de proteção. No mesmo período, o número de mulheres brancas mortas por violência doméstica caiu, enquanto o de mulheres negras cresceu quase 30%.
Esses dados revelam que a violência contra mulheres negras é também reflexo de um racismo estrutural que atravessa o gênero e a classe social, perpetuando desigualdades históricas. Romper com esse ciclo exige mais do que indignação: demanda políticas públicas contínuas, investimento em prevenção e uma sociedade disposta a escutar e proteger quem mais sofre com a violência.
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