Racismo, preconceito social, falta de acesso à serviços e oportunidades são dificuldades enfrentadas pelos jovens e moradores de periferia e comunidades cariocas. Essa difícil realidade é tema da peça “Nem todo filho vinga” da Companhia Cria do Beco, que estreia no próximo dia 12 de março, às 19h30, no Museu da Maré.
A peça é vencedora do 9° Festival de Teatro Universitário (Festu), realizado em 2019, e foi baseada na obra “Pai Contra Mãe”, do escritor Machado de Assis (1839-1908). A cena desenvolvida por jovens universitários, negros e moradores do Complexo de Favelas da Maré, nasceu a partir da provocação feita pelo autor, que termina sua obra literária com a frase que dá título à cena: “Nem todo filho vinga”.
Para o ator e protagonista do espetáculo, Jeff Melo, o texto traz a narrativa favelada em sua essência, dos atravessamentos diários que o corpo favelado insiste em existir, em persistir na vida, no acesso à educação, a cidade e presença nessa sociedade excludente. “O desconforto vai tocar os olhares preconceituosos de quem não consegue enxergar a favela. Nossa intenção também é fazer com que os nossos amigos favelados se reconheçam nas narrativas. A atuação é interativa entre atores e plateia. Queremos fazer do palco a favela, que se diverte, que faz festa, que ajuda uns aos outros e que vive nessa pluralidade cultural”, afirma.
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Jeff conta ainda que Maicon, seu personagem na peça, é o típico morador de favelas brasileiro. “Maicon é um jovem preto, sonhador e militante. Ele luta diariamente pra existir nos espaços de exclusão. Aos 18 ele passa na faculdade de direito e tem como objetivo ser ‘justo’ e trazer justiça para os seus, mas percebe que o sistema é estrutural e muito mais profundo. A ideia de justiça entrelaça todos os lados da vivência de Maicon: família, amigos, trabalho, faculdade, social… O questionamento atormenta: O que é justo? Será que Nem todo filho vinga? Qual decisão Maicon deve tomar?”, comenta.
Segundo Renata Tavares, 43 anos, estudante de artes cênicas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (Unirio), professora no Entre Lugares Maré e encenadora do espetáculo, o objetivo é mostrar a relação da universidade com os favelados, falar sobre o embranquecimento do autor e abordar as realidades vividas pelos jovens da favela. “O ‘Nem Todo Filho Vinga’ está refletindo o momento atual depois do evento com o George Floyd (afro-americano assassinado em Minneapolis- EUA, em maio de 2020, estrangulado por um policial branco durante uma abordagem, por supostamente usar uma nota falsa de vinte dólares em um supermercado); a gente começou a se questionar e discutir sobre os direitos dos pretos, o quanto eles foram escravizados, então, eu acho que é o momento da comunidade preta saber quais são os seus direitos e requerer todos eles, o que lhes pertence”, afirma.
“Nós não vamos sentar com as pessoas e explicar porque o racismo acontece, é questão de ensino e educação, vão ter que tentar entender, porque já se passou bastante tempo e, se não aprenderam até hoje, não vamos ser nós a sentar pacientemente e detalhar. Falta paciência pra explicar para os brancos o racismo estrutural, no qual não temos sobrenome, nem as mesmas oportunidades, mas temos que tomar cuidado na rua porque sempre podemos ser alvejados, isso não tem como ensinar para alguém porque só quem é preto é que vive”, finaliza.
Para saber mais do espetáculo, que é gratuito, mas com contribuição espontânea, acesse o perfil do Instagram do Nem todo Filho Vinga.