Grada Kilomba e Fanon explicam o racismo na guerra

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Na última semana, diante do literal calor da guerra entre Rússia e Ucrânia, quando muito próximos de um novo e inacreditável acidente nuclear de proporções incalculáveis, o mundo – pelo menos a parte do mundo que se importa – assistiu atônito a cenas explícitas de racismo por parte de ucranianos brancos contra migrantes, estudantes ou trabalhadores vindos da África, da Ásia e do Oriente Médio.

Foto: Maciej Luczniewski/NurPhoto via Getty Images)

A cena dos negros banidos pelos brancos ao tentar fugir da guerra, no trem, causou tanta perplexidade que surgiu a hashtag #AfricansinUkraine. Haveria uma primazia dos brancos em relação aos negros na busca por refúgio em outro país ou por ajuda humanitária? Irracional, diriam alguns. Frantz Fanon, já em 1967, desabafou: “coube ao homem branco e à mulher branca ser mais irracional do que eu”. 

Mas, afinal, o que leva as pessoas a serem supremacistas até na humilhação da Guerra? Existe alguma racionalidade possível para tal comportamento humano? Fanon, não encontrando lógica para as discriminações sofridas pelos negros em sua análise racial-psicanalitica, vai decretar que dentro do racismo não há acordo possível “no plano da razão”.

Em sua obra “Memórias da plantação”, Grada Kilomba ajuda a elucidar episódios como este. O Racismo Cotidiano, conforme Kilomba, nos coloca de volta em cenas de um passado colonial – colonizando-nos novamente. Somos assombrados por memórias coloniais intrusivas, que tendem a voltar (2019). O navio negreiro se atualiza em diferentes modais, desta vez no trem da segregação ucraniano; num passado não tão distante, num ônibus, em Montgomery, EUA, dando à Rosa Parks o protagonismo da resistência.  

O racismo cotidiano de Grada Kilomba é justamente esse acúmulo de eventos violentos, que mostram um padrão de abuso racial que envolve não apenas os horrores da violência racista, mas também as memórias coletivas do trauma colonial (2019). E como num flashback do colonialismo, o indivíduo cujas suas fronteiras estão sendo invadidas por outro país numa Guerra, se sente superior praticando um “ato colonizador”. A branquitude se legitima nesta violência.

Ou como explica Kilomba, “enquanto o sujeito branco reencena o passado, o presente é proibido ao sujeito negro. Essa é a função do racismo cotidiano: restabelecer uma ordem colonial perdida, mas que pode ser revivida no momento em que o sujeito negro é colocado novamente como o outro”. (Kilomba, 2019, p. 224).

O racismo não surge na hora do caos, da Guerra, ele já está lá presente e cotidiano. O Leste Europeu, uma das regiões do mundo que mais dispersou seus cidadãos de forma forçada ao longo da história, não costuma ser muito tolerante aos migrantes e refugiados negros. Na Ucrânia, particularmente, o nacionalismo exacerbado e as milícias neonazistas tornam as relações raciais ainda mais difíceis.

Os europeus do Leste também são constituídos da velha ideia de Modernidade, que instituiu uma ordem supremacista, colonial, em que os povos do continente africano são enxergados como o Outro. A branquitude não se curva nem mesmo diante do pavor da guerra. Aimé Césaire, um dos maiores nomes da luta anticolonial, alertou: a Europa é indefensável. 

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