“O feminismo negro é ancestral”, diz Íyá Sandrali de Campos no Seminário de Enfrentamento ao Racismo

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A luta das mulheres negras tem seu referencial histórico, social e ancestral que perpetua atualmente. Dessa forma, elas dão continuidade se organizando e compreendendo juntas o significado da palavra coletividade. Assim foi pautado o Seminário Nacional de Enfrentamento ao racismo e à Violência racial, que ocorreu durante os dias 4,5 e 6 de Novembro, na cidade de Piracicaba, interior de São Paulo. 

O encontro contou com a presença de mulheres negras de vários estados do Brasil, com o intuito de buscar ações afirmativas e estratégias na luta contra o racismo. Esse é o primeiro Seminário pós-pandemia, realizado presencialmente pela Rede Nacional de Mulheres Negras no Combate à Violência, organização que surgiu em 2008, na cidade de Campinas/SP, trabalhando no combate à violência racial e fortalecimento do movimento de Mulheres Negras. 

O Seminário tem o intuito de fortalecer o combate o racismo – Foto: Pexels

Capacitar a população negra é uma das ferramentas para enriquecer o debate no reconhecimento de direitos, diante disso as palestras e oficinas foram preparadas para instruir as participantes. Os temas foram escolhidos para a construção de políticas públicas LGBTQIA+, no acesso por mais educação, saúde, mulheres na política, moradia e empregabilidade.   

Leia também: “Mulheres negras não andam sozinhas”: Seminário Nacional de Enfrentamento ao Racismo e Violência Racial reúne 220 mulheres em SP”

A religiosidade e o saber ancestral

A Íyá Sandrali de Campos Bueno, 73 anos, de Pelotas/Rio Grande do Sul, membra da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (RENAFRO), aborda sobre o racismo Religioso e reforça os símbolos das religiões de matrizes africanas em conjunto com a luta pela liberdade religiosa, como mulher preta de terreiro.

Em entrevista ao Notícia Preta, Sandrali ressalta a importância do evento no estímulo da potência presente nas mulheres negras e a contribuição na renovação de pautas. “Nós sempre tivemos o poder das mulheres como vetor, como força de sustentação daquilo que nos foi negado. Quando eu falo que o feminino negro é ancestral, é porque atrás de nós tiveram muitas mulheres, todas as mulheres, independente do lugar que onde elas estavam“, declara a Yalorixá.

Ainda segundo a sacerdotiza, o saber ancestral conduz esse pensamento, trazendo reverência á luta dos antepassados e que fortifica garantir a reconstituição do aprendizado pelo direito de ser quem somos.

Essa força feminina, essa potência feminina, eu não gosto de usar por exemplo a palavra empoderamento, porque nós temos uma potência, ela está dentro de cada mulher negra. O que precisamos é colocar cada vez mais isso de forma coletiva.  Nós somos seres coletivos e cada vez mais lutas individuais não carregam a força da mulher negra, por isso a gente insiste que a luta da mulher negra, que o feminismo negro ele é ancestral“, complementa.

Para a juventude que compartilha desses espaços e age na luta antirracista, ela espera passar esse bastão ao mesmo tempo se atentando as dificuldades juntamente com a responsabilidade no futuro.

“A juventude carrega um legado. Trazer de volta a questão da Sankofa: Olhar para o passado, estando no presente e projetando o futuro e vocês são isso, a juventude é isso. Vocês têm esse compromisso porque vocês carregam um legado”, diz em recado para a Juventude.

Ações de enfrentamento ao racismo  

Além de um espaço de troca de experiências e vivências, esse ambiente se expandiu para compreensão de instrumentos em ações de enfrentamento ao racismo. A advogada de direitos humanos, Bárbara Correia, de São Paulo, é coordenadora do projeto de combate ao racismo religioso no Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos. 

A organização se dedica à construção de capacidade institucional, voltada ao direito internacional dos direitos humanos, por isso a relevância. É através dela que mais organizações pretas e afroLGBTQ+ da América latina consigam acessar esses sistemas jurídicos. 

“Os tratados internacionais são muito importantes pra gente ter uma baliza do que a comunidade internacional entende como parâmetro. Eles são muito importantes, especialmente aqueles que foram ratificados pelo Brasil, para que a gente consiga também utilizá-los como instrumentos dentro da nossa luta. A partir que o governo Brasileiro ratifica esses tratados internacionais, eles fazem parte do nosso governamento jurídico, e aí sim a gente pode utilizá-los como forma de pressionar o nosso judiciário, executivo e legislativo para colocá-los em prática”, diz a advogada. 

É a partir dessa ferramenta que entende-se o direito como política pública porque ele está em todo lugar. Bárbara explica alguns dos tratados internacionais que fazem parte da Lei Brasileira e que foram trazidos por decretos, como a Conferência de Durban, realizada em agosto e setembro de 2001, com objetivo de tratar o tema racial de forma ampla. Através dela, foram feitos dois documentos: a declaração de Durban e o plano de ação. Compareceram 173 países e a delegação brasileira participou da conferência foi a maior entre os estados participantes, reunindo mais de 400 pessoas. 

Na Conferência de Durban, em 2001, o Brasil esteve presente com 400 pessoas – Foto: Freepik

Empreendedorismo negro 

As oficinas apresentadas seguiram de forma dinâmica, sendo divididas em duas pautas simultaneamente, abrangendo o empreendedorismo negro, racismo religioso e corpos negros em situações de violência. A pedagoga, arteducadora e bonequeira, Lucia Makena, São Paulo, abriu a oficina de empreendedorismo negro.

Há mais de 20 anos atua na luta antirracista com as bonecas que confecciona, ela criou as Bonecas Makena, com o objetivo de trazer a identidade para o público de diversas idades, principalmente infantil.  Por meio da Lei  N°10.639 de 2003, que institui a obrigatoriedade de trabalhar a história e cultura afrobrasileira nas escolas, as bonecas Abayomi trazem o artesanato que conta uma história de maneira lúdica.

O propósito do projeto é que as bonecas fossem para a periferia, escolas, entre outros espaços, para discutir e levar ideias que as pessoas conhecem um pouco mais da história. Lucia acredita que estar nesse espaço é um local de muita riqueza, trazendo informações para auxiliar na capacitação do público, enriquecendo o conhecimento e adquirindo aprendizado. 

Resgate da memória e cultura de pontos históricos negros

No último dia, a guia turística, Júlia Madeira, fundadora da Rota Afro, direcionou para pontos históricos negros que trazem o resgate cultural do povo preto na cidade de Piracicaba. De acordo com Júlia, a trajetória é a manutenção da memória da população negra que resiste com a preservação dos seus espaços históricos.

“É um método, uma forma, uma alternativa, uma estratégia dessa preservação que precisa ser feita da nossa história e memória negra. A gente percebe ao longo do roteiro que tem vários matrimônios, várias histórias, várias pessoas esquecidas e silenciadas e a rota trás a tona isso”, afirma Júlia. 

A rota retoma a importância de construir a história dos negros do interior paulista pela pesquisa de professores como Noedi Monteiro e Antonio Filogenio de Paula, historiadores negros. 

O passeio cultural ainda continua no 1° Raízes Nagô: Encontro de Trancistas, trançadeiras e turbancistas no Engenho Central, evento organizado pelo Instituto Afro Pira, em parceria com a Rede Nacional de Mulheres Negras no Combate á Violência, Coletivo Beleza Preta e outras organizações. 

O Seminário Nacional alcançou um dos primeiros passos para o seguimento de próximos eventos e pautas que essas mulheres vão levar para a sua localidade. Mulheres negras possuem interseccionalidades e amplitudes, que através desse encontro se complementam para o auxílio de demandas e aspectos que reverberam no âmbito social e cultural.

“Repassar esse conhecimento é estruturar caminhos para desafios e mudanças no cenário atual na luta contra o racismo“, finaliza.

Thayna Santana

Thayna Santana

Thayná Santana é graduanda em Jornalismo pela UNESP, nascida e criada no interior de São Paulo, atua como assessora de mídias sociais e possui grande experiência como hairstylist, contribuindo o seu interesse do mundo afro com a comunicação.

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