Especialistas apontam impactos da escala 6×1 aos trabalhadores, que se posicionam contra o regime: “É uma escala exaustiva”

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É uma escala exaustiva“. É dessa forma que trabalhadores da escala 6×1 definem o regime, que é uma das pautas que se destaca neste dia 01 de maio, Dia do Trabalhador. Em entrevista ao Notícia Preta, o professor José Rodolfo Silveira, professor adjunto da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), apontou que “falar de jornada e escala, é falar de tempo de vida e de exploração do trabalho“.

Isso se reflete no relato de Brenno Ferreira, de 27 anos, que trabalha em um shopping na Zona Norte do Rio de Janeiro. Já são 10 anos trabalhando na escala 6×1, que ele considera, no mínimo, falha. “É uma escala exaustiva, que não permite o funcionário desfrutar da única folga semanal, pois passará o dia inteiro pensando que na manhã seguinte já precisará trabalhar novamente. Não há tempo hábil para relaxar“, conta.

Desde que ganhou espaço no debate público, diversas manifestações pedem o fim da escala /Foto: Letycia Bond/Agência Brasil

Ao se deparar com realiaddes como a de Brenno, o professor ainda aponta que o Brasil nunca teve um histórico significativo de trabalho protegido, digno. “Pelo contrário. A gente conviveu por séculos com a forma mais indigna de trabalho, com pessoas sendo escravizadas. A tortura, a morte“, explica. Segundo ele, após a reforma trabalhista de 2017, houve a introdução das “jornadas flexíveis” que trabalham “a favor de quem mais tem poder de barganha: os patrões“.

Brenno conta também que por trabalhar com atendimento ao público, que por muitas vezes não entende que a folga é – ou deveria ser – um dia de descanso, recebe mensagens e ligações fora do seu horário de trabalho. O carioca também explica os entraves desse sistema, em sua vida: “Trabalho com uma folga semanal, porém, não fixa. A cada semana folgo em um dia diferente. Desta forma, não consigo me programar para absolutamente nada“.

Essa é a mesma reclamação de Pedro Henrique Correia, de 26 anos, que trabalha em um aeroporto no Rio de Janeiro, e que há quase 10 anos trabalha na escala 6×1. “A gente não tem como se planejar a longo prazo, né? Eu tenho que esperar a escala sair para depois ver se eu ganhei a folga que eu pedi. Tem um limite de folga, eu não posso ter mais de três eventos, por exemplo, no mês, que vai ser complicado. Aí tem que ficar trocando com as pessoas. É uma logística muito complicada“, explica.

A atual escala 6×1, de trabalhar 6 dias e folgar apenas 1, que configura o limite de 44 horas de trabalho semanais, pode não existir em breve. A partir da mobilização do movimento Vida Além do Trabalho (VAT), que surgiu em 2023 liderado por Rick Azevedo, um projeto foi desenvolvido junto da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP). A (PEC) 8/2025, propõe a redução da jornada para 36 horas semanais, e está tramitando no Congresso.

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O atual regime, permitido pela legislação brasileira, é um obstáculo, segundo especialistas, para o desenvolvimento da outras esferas de vida desses trabalhadores.

Como assistentes sociais nós atuamos em diversas políticas sociais e não tem como não pensar como a escala 6×1 nega o acesso desses trabalhadores a essas políticas sociais. A maior parte dos equipamentos de saúde funcionam de segunda a sexta em horário comercial. Quais as possibilidades que tem um trabalhador nesse regime no comércio, de segunda a sábado, de acessar esses serviços? Acaba que o que resta a esses trabalahdores é o atendimento quando a saúde já está debilitada. Então as possibilidades de evitar processos de adoecimento são negadas a essas pessoas“, diz o professor José Rodolfo.

O especilista aponta que os próprios aparelhos de política da assistência social, também funcionam, em sua maioria, em horário comercial. Quando se trata de educação, quando a conseguem, é com muita dificuldade e quando se trata da educação dos filhos desses trabalhadores, por conta da jornada de trabalho, fica difícil de participar. “Além disso, esse sistema também o limita de lutar por mudanças e contra esse mesmo sistema“, diz o professor.

A demanda é real. Pedro conta que para ele, o fim da escala 6×1 pode trazer diversos benefícios para quem “vive nela”: “O maior benefício seria qualidade de vida. A gente vai ter tempo pra poder ficar com a família, pra poder cuidar da saúde, cuidar da vida ao nosso redor, né? Quem tem filho dos seus filhos, tem qualidade de vida com seus maridos, com seus pets, e até quem quer mesmo, por exemplo, conseguir descansar“.

Quase 70% dos trabalhadores são a favor do fim da escala 6×1 /Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil.

Brenno também é a favor do fim da escala “para que todos tenham o mínimo de dignidade possível para viver bem“, e completa: “Não dá para normalizar a frase ‘passo mais tempo aqui do que em casa‘”. Ambos, concordam com 65% dos brasileiros, que segundo uma pesquisa da Nexus de março desse ano, disseram que querem a redução da jornada de 44 horas semanais de trabalho, e por isso, da escala 6×1.

Segundo a pesquisa, 47% dos brasileiros dizem que com o fima desse modelo ficariam mais com a família, 25% cuidariam da saúde e 22% fariam renda extra. Os dados coincidem com a análise do professor José Rodolfo, que aponta que o fim da escala 6×1 permite a “ampliação do acesso aos serviços públicos de saúde, da assistência social, da educação, do tempo para o cuidado, para a prevenção ao invés dos processos curativos, e na ampliação do acesso à cultura“.

Segundo ele, “findar a escala 6×1 é também dizer que a sociedade brasileira não aceita mais o nível de desigualdade que a gente tem hoje“.

Impactos na saúde

Nesse modelo de trabalho, o professor do Instituto de Psicologia da UERJ, Wladimir Ferreira de Souza, explica os impactos negativos na saúde dos trabalhadores.

Quando as condições de trabalho são extenuantes, desgastantes, não possibilitando o tempo necessário para o descanso e o lazer, isso afetará a saúde mental dos trabalhadores e seu equilíbrio psicossomático, podendo resultar daí experiências de sofrimento e transtornos psíquicos“, explica o professor, que relaciona esse impacto ao aumento de licenças por questões de saúde mental.

Em 2024, o Brasil atingiu o maior número de afastamentos no trabalho por ansiedade e depressão na última década. Os dados mostram que foram oncedidas 472.328 licenças médicas no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por transtornos psicológicos.

Enquanto Brenno diz que negligenciou seu treino na academia e sua ida na faculdade muitas vezes por conta do trabalho, Pedro conta que adoeceu por conta disso. “No meu último trabalho eu tive crise de pânico e fui diagnosticado com ansiedade de depressão devido a tudo né. Foi na época da Covid também, e juntou uma coisa com a outra e aí eu acabei me afastando pela médica, pela minha psiquiatra“.

Diante desse cenário, o professor Wladimir explica que para a psicologia o trabalho pode tanto gerar adoecimento psíquicos quanto ser uma realização para o ser humano, mas espera que mudanças significativas aconteçam a favor da saúde dos trabalhadores, a partir dessa discussão ao redor da escala 6×1.

“Minha expectativa é que esse debate sobre o fim da escala 6X1 contribua para uma necessária mudança na legislação, regulamentando uma escala de trabalho mais compatível com as necessidades e possibilidades dos seres humanos”, conta o especialista, que aponta que diversas conquistas se deram ao longo do tempo no campo da questão da saúde mental e o trabalho como a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora e o Programa de Gerenciamento de Riscos, mas que ainda há muito para ser feito.

Se for, de fato, efetivada o fim da escala 6×1, esta será uma grande conquista, mas que precisará ser defendida, devendo a sociedade estar mobilizada para exigir seu cumprimento efetivo“, aponta o professor, que continua: “Trabalhar em locais, condições, ambientes e situações compatíveis com a saúde e a dignidade deve ser um direito garantido e exercido por todos os cidadãos“.

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Bárbara Souza

Bárbara Souza

Formada em Jornalismo em 2021, atualmente trabalha como Editora no jornal Notícia Preta, onde começou como colaboradora voluntária em 2022. Carioca da gema, criada no interior do Rio, acredita em uma comunicação acessível e antirracista.

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