“Dimensões comparáveis a Síria e a Palestina”, afirma pesquisador sobre a guerra no Sudão

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A representante do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Mandeep O’Brien, disse em entrevista a AFP da França, que o conflito no Sudão “está colocando severamente em risco a saúde e o bem-estar das 24 milhões de crianças do Sudão”. A guerra, que teve início em abril do ano passado, já dura 9 meses. Para entender o conflito, o Notícia Preta entrevistou o doutorando em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Eden Pereira.

Ele, que é Pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre África, Ásia e Relações Sul-Sul, falou sobre a situação da guerra no Sudão. “A atual guerra no Sudão divide com a Líbia o posto de conflito militar mais grave na África, e um dos principais do mundo. O impacto em termos de deslocamento forçado, fome e mortes, é proporcionalmente maior que o conflito na Ucrânia, e com dimensões comparáveis a Síria e a Palestina”, pontua o especialista.

Sudaneses se deslocando no período de guerra /Foto: Jiro Ose/Acnur

O pesquisador conta que a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) disse recentemente que 25 milhões de pessoas necessitam de ajuda humanitária imediatamente. “Além disso 7 milhões de pessoas estão deslocadas devido a guerra. Destas 3,5 milhões são crianças subnutridas, ou seja, quase uma geração inteira de seres humanos em um país“, conta.

Motivos da Guerra

Para ele a atual Guerra Civil no Sudão reflete uma intensa luta política interna, regional e internacional. A eclosão deste conflito foi motivada pela ausência de um acordo geral envolvendo as forças que participaram da derrubada do ditador Omar al-Bashir em 2019.

“Os setores mobilizados da população que participaram da luta contra a ditadura sudanesa não conseguiram vencer a ‘quebra de braço’ com os militares que contribuíram para depor al-Bashir. E por outro lado, o general Abdel Fattah al-Burhan, chefe do Conselho de Transição, que tentou reorganizar a estrutura autoritária de Omar al-Bashir sob o seu comando, não possui legitimidade popular, e nem é unânime entre frações dos próprios militares”, disse.

Eden acredita que há fragilidade política, e que o governo é impopular. Segundo ele, o grupo paramilitar Forças de Suporte Rápido (RSFs)- criada por Omar al-Bashir durante a Guerra de Darfur- usou a oportunidade para uma fracassada quartelada que resultou na atual guerra civil.

“Este grupo possui diversos apoios internacionais entre países africanos, na Europa e até mesmo alguns setores nos Estados Unidos. No entanto, a ideia não é que exista um vencedor nessa guerra, mas que ela possa continuar de forma indefinida, afetando importantes países fronteiriços como a Etiópia e o Egito, que também estão envolvidos indiretamente na guerra”, afirmou.

Ligação com Gaza

Pereira, acredita que as ações de Israel na ONU possam influenciar em outros conflitos.

“Após Israel difundir informações falsas sobre a existência de membros do Hamas na Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA), países como Estados Unidos, Grã-Bretanha e Alemanha, anunciaram que vão deixar de apoiar financeiramente o órgão. Isso causa um impacto direto sobre a distribuição de recursos entre as instituições humanitárias da ONU, e que afetará conflitos como no Sudão, que não contam com os imensos pacotes que o FMI oferece- de forma ilegal- ao regime ucraniano”, explicou.

Corte de Haia

Há processos contra Omar al-Bashir na Corte Internacional de Justiça, mas Éden entende que não há condições, da Corte solucionar o conflito e coloca:

“A Corte Internacional de Justiça apenas julgou procedente o processo aberto pela África do Sul contra o Israel no que diz respeito ao genocídio palestino porque ocorreu uma articulação e grande campanha internacional. Eu não vejo condições para algo similar ocorrer no caso do Sudão”, explicou .

O especialista crê que há duas saídas para a resolução deste conflito no Sudão hoje. “A primeira é a retomada do protagonismo das forças populares, que anteriormente lutaram contra a ditadura de Omar al-Bashir. A segunda é um acordo entre as forças beligerantes do general al-Burhan e das RSFs. Infelizmente, nenhuma dessas duas saídas é visível no momento”, disse.

Mediação na ONU

Pra Éden, a ONU está em crise. De acordo com ele, parte das instituições da ONU estão em crise, seja por desinvestimento dos países, seja porque estão sob uma direção burocrata ou alinhada com os interesses dos Estados Unidos.

Ele ressalta que por não existir um país africano em posição de poder efetivo na instituição, não há quem possa ter condições ou interesse direto em pautar esse tema. “E isso ocorre porque essa instituição, criada no auge do poder colonial da Europa e dos Estados Unidos sobre a África e a Ásia, reflete uma distribuição de poder arcaica para abordar os problemas internacionais”, analisa.

“Todas as tentativas de reforma da ONU tem sido barradas pelos Estados Unidos há décadas. O máximo de poder que os estadunidenses desejam oferecer para os africanos na ONU, é que eles sintam-se representados pela representante de Washington no Conselho de Segurança, Linda Thomas-Greenfield”, colocou.

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