O chef Edson Leite criou, há 10 anos, a Gastronomia Periférica (GP), que atua com educação gastronômica para pessoas periféricas de São Paulo. Seu negócio visa garantir mais oportunidades de emprego a eles no futuro e distanciá-los do universo violento que a juventude, sobretudo negra, costuma ter como horizonte em uma realidade de discriminação e falta de direitos básicos.
Este ano, Edson Leite é um dos finalistas da 18ª edição do Prêmio Empreendedor Social, realizado pela Folha de São Paulo e pela Fundação Schwab, na categoria Soluções Comunitárias. Para muitos concorrentes a premiação representa um reconhecimento de que sua atuação é importante para a mudança dos rumos da sociedade, além de um caminho para novos investimentos e, consequentemente, seu crescimento.
A GP, atualmente, oferece cursos voltados ao aproveitamento total dos alimentos no preparo de doces e salgados, assim como formação na área de bebidas, como café e cerveja. Além disso, a partir de agora, os alunos terão a possibilidade de realizar estágio em um restaurante gerenciado pela própria GP – o Da Quebrada.
A inauguração do novo restaurante acontece nesta segunda-feira (19), às 9h. na Vila Madalena, bairro nobre da zona oeste de São Paulo. Sobre a localização, Leite diz que a GP é a ponte entre os dois mundos que estabelece uma comunicação entre as regiões marginalizadas e as mais abastadas.
“Não é uma questão de flexibilidade, é uma questão de diálogo. É uma questão de trocar ideia com todo mundo”, diz. Leite também acrescenta que “a ponte é o início de tudo. Ser ponte é, inclusive, escolher quem vai atravessar de um lado para o outro”. O chef defende que ter essas relações é importante porque a periferia não tem o capital para se desenvolver sozinha.
A ideia do estabelecimento estava sendo discutida desde 2020, quando o projeto de abrir um café da Mãe Terra no local precisou parar por conta da pandemia. Assim, a GP foi procurada para institucionalizar a relação e, ao longo desses dois anos, foram feitas mudanças estruturais no prédio para poder abrigar um restaurante. Os custos gerados até a inauguração foram cobertos pela patrocinadora e, a partir desta nova etapa, o Da Quebrada será mantido com seus próprios recursos.
Os trabalhadores serão exclusivamente ex-alunos da escola de gastronomia e trabalharão lá por seis meses. Com maior experiência após esse período, eles serão encaminhados para um dos parceiros da rede de relacionamento que a GP mantém.
Adélia Rodrigues, sócia-fundadora desse sistema de ensino e negócios, diz que a escolha do bairro nobre para abrigá-los não foi deles, já que o espaço já havia sido escolhido para ser um café, mas ela diz que a GP não vê nenhuma contradição entre sua proposta ligada à periferia e sua localização na Vila Madalena.
“A gente tem que estar em todos os lugares, inclusive aqui, que era um bairro preto. A gente precisa ocupá-lo novamente. Ser periférico não quer dizer que a gente tem que estar sempre na periferia. A gente tem que circular por onde quiser. Essa é uma premissa nossa”, ela diz. Adélia afirma, ainda, que os preços encontrados ali são inferiores à média do bairro.
Ela lembra que esse é apenas o começo. Seu objetivo a médio prazo é expandir o negócio, de modo a abrir restaurantes como o Da Quebrada não apenas nas áreas pobres de São Paulo, mas também nas outras regiões do Brasil. “Vamos ganhar dinheiro aqui para fazer em outros lugares também. Essa é a grande mágica da Gastronomia Periférica: fazer circular o dinheiro e oportunidades também”, comenta.
A equipe ressalta a importância de tratar os cozinheiros como tratam os clientes e considerá-los nas tomadas de decisões. Seguindo essa lógica, o chef Raul Godoy, que já trabalhou com Alex Atala e Paola Carosella, diz que atuará apenas como professor, ensinando suas técnicas às alunas, mas elas, “como cozinheiras, trarão suas experiências de vida e seus conhecimentos familiares para a construção do cardápio, que será sempre mudado conforme a disponibilidade de produtos e sua sazonalidade”. Considerando que o lema da GP é de uso integral de alimentos e zero desperdício, as sobras da cozinha não são descartadas, mas reaproveitadas em novas receitas.
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Sobre seu negócio, Edson Leite afirma que ali não se trabalha para ganhar prêmios, mas para realizar exatamente o impacto social que o restaurante gera. No entanto, ser indicado para o Prêmio Empreendedor Social significa reconhecimento de seu trabalho. Caso vençam, eles atrairão recursos para fazer o que a periferia acredita, além de participar do Fórum Econômico Mundial. O resultado da premiação será anunciado nesta segunda-feira (19) às 20h e será transmitido ao vivo pela TV Folha.