Filha de Xangô, neta e herdeira gastrônoma de D. Edna, a Chef de cozinha pernambucana D. Carmem Virgínia tem uma caminhada longa na culinária, começando pela comida de terreiro. Yabassé, cozinheira dos Orixás, na próxima sexta-feira (6), ela estreia como apresentadora do programa “Uma senhora Panela”, no canal de TV por assinatura GNT.
D. Carmem conversou com o Notícia Preta e contou um pouco da sua trajetória, bastidores do programa e também confidenciou sobre seus planos. Segundo ela, o que tem sido feito no canal é apenas a pavimentação de um caminho, o início de um ciclo que precisa ser continuado. Além disso, ela lembra ainda que a coletividade é a parte primordial do programa.
“Eu não seria a única, sou só mais uma e a história não pode terminar comigo. ‘Uma Senhora Panela’ não é só de Carmem Virgínia, começou comigo, mas é de todos nós que lutamos diariamente. Eu não poderia comemorar esse feito sem o Notícia Preta, sabe? Sem tantas as vezes que vocês me incentivaram com as postagens de vocês, me dando parabéns pelos pequenos gestos. Essa é uma vitória nossa”, celebra.
Com mais de 286 mil seguidores no Instagram, ela lembra que as histórias das pessoas negras sempre são contadas de forma dolorosa e, em alguns momentos, equivocada. Ainda de acordo com a chef, é preciso mudar essa narrativa.
“Precisamos parar com essa coisa de mostrar preto sofrendo, preto passando fome, preto pedindo cesta básica, preto apanhando, preto sendo preso e preto morrendo. A gente mostra o preto de sucesso, o preto brilhando em um cenário incrível, onde Exú convive com Nossa Senhora. Esse é o nosso Brasil”, conta.
Ela completa ainda, ressaltando que a cultura brasileira passa, necessariamente, pela cultura negra. “O programa fala da cultura negra, da música negra, dos nossos tesouros, dos nossos orgulhos. Vamos falar de pessoas que sobreviveram, resistiram, pessoas que fazem sucesso. Pessoas que enriqueceram a nossa cultura e se enriqueceram”
“Uma Senhora Panela” de D. Carmem Virgínia
Como uma boa chef de cozinha, ela também tem as suas preferências gastronômicas e, como uma cozinheira de terreiro, não poderia deixar de homenagear seu Orixá. D. Carmem conta que o prato que mais gosta de fazer é o primeiro que ela preparou em uma cozinha de terreiro.
“Gosto de preparar Amalá. É a comida que significa a força, é a comida do meu Orixá, é a comida de Xangô, é um ensopado de quiabos. Esse prato tem muito significado pra mim, tem muita força pra mim. É o primeiro que eu fiz dentro da cozinha de terreiro. Então, nunca vou botar que adoro fazer moqueca, mas o que eu gosto mesmo, é de fazer Amalá”, revela.
“Mas o que eu gosto mesmo é de ver as pessoas comendo a minha comida, não importa qual é o prato. Quando a gente faz de coração e com boas intenções, até um bolinho de farinha d’água é delicioso”, completa.
Religiosidade
D. Carmem acredita que o conhecimento de terreiro que ela leva para a TV a auxilia por conta dos ensinamentos que os Orixás passaram a ela nos anos de candomblé.
“Ninguém me ensinou tanto na vida como os Orixás me ensinaram. Afinal de contas, eu quis ser cozinheira pro povo, mas eu fui escolhida para cozinhar para os Orixás. Então, tudo que eu sei, tudo que me baseio é a partir da cozinha de terreiro, a partir desse povo que tanto fez pela nossa cultura, no geral”, agradece.
Participações
Durante a série, D. Carmem Virgínia recebe vários convidados, entre eles estão Preta Gil, Nega do Babado, Doralyce, Lia de Itamaracá, Nara Couto, Zezé Motta, Zé Ricardo, Larissa Luz, Criolo e Mariene de Castro. Ela ressalta a importância dessas presenças no programa.
“Tenho a honra de receber Orixás vivos em meu programa, como é o caso de Zezé Motta. Onde eu iria imaginar que entre os meus convidados, do meu primeiro programa solo, de uma pessoa que não chega nem perto do Zezé Motta representa pra gente, que iria receber Zezé Motta, mas que ainda assim está ali?”, emociona.
“Quando zezé motta me elogia, eu falo ‘sou sua continuidade’. Só estou na TV porque existiu uma zezé motta que apanhou muito”, complementa.
Autonomia
“Uma Senhora Panela” é um programa pensado pela própria D. Carmem e que, segundo ela, recebeu “carta preta” do canal para que ela pudesse desenvolver suas habilidades da melhor forma possível.
“O GNT sabe muito bem a mulher que eles levaram para o horário nobre da noite, para falar sobre comida. O GNT não foi enganado, ele sabia que Carmem Virgínia era uma Yabassé pernambucana, que era chefe de cozinha. Estou muito feliz com isso”, conta.
“Vocês vão me ver fazendo comida simples com uma alta sofisticação, mas vocês vão ver, além de tudo, uma mulher que pode decidir o que vai falar no seu programa. Eu não tive nenhum diretor, tudo que acontece no programa é ideia minha. Nunca teve ninguém me ligando, dizendo ‘isso você não pode falar’”, completa.
Na série, ela também conta que há uma presença negra intensa e que está feliz com o resultado do que sonhou há algum tempo e está colocando em prática agora.
“Imagina você fazer um Amalá pra Xangô e explicar porque Xangô come Amalá? Vamos ter isso. Vamos ter cantos para os Orixás, é um programa onde 90% dos convidados são negros. Negros e negras que fazem sucesos no nosso país, que são importantes para o nosso povo. Eu estou muito orgulhosa e sei que ‘Uma Senhora Panela’ é só o pontapé de muitas coisas que virão por aí”, comemora.
Futuro
Carmem Virgínia diz que foi incentivada pela sua avó, D. Edna, a assumir a cozinha e queria que a filha fosse sua sucessora. Porém, ela ressalta que sua filha é estudante de direito e quer seguir carreira. Ainda segundo ela, isso não impede que outra pessoa possa seguir os seus ensinamentos.
“Meu sucessor será todo aquele que quiser ser continuação. Não necessariamente minha filha. Ela quer ser jurista e trabalhar no Ministério Público. Como vou lidar com isso? Vou dizer ‘você vai ser cozinheira’? Não. Nós vivemos um momento que podemos ser o que quisermos e espero que minha neta queira continuar o meu legado. Mas por enquanto, eu ajudo as pessoas que me procuram”, afirma.
D. Carmem conclui dizendo que tenta dar atenção a todos que a procura, principalmente as crianças e jovens para que eles entendam que é possível e que é uma questão de agarrar as oportunidades.
“Dou atenção a todos os meninos e meninas pretas que me procuram nas redes sociais, falando que me admiram, falando que sou uma referência pra eles, eu procuro ajudar de alguma forma. Procuro passar pra eles que é difícil, mas se tiverem força de vontade, as oportunidades aparecem. Não são muitas, mas eles têm que agarrar quando pintar”, finaliza.