O estudo, “Observatório de ações afirmativas na pós-graduação”, realizado pela pesquisadora Anna Venturini, com base nos dados publicados pelas próprias universidades, revela que 54,3% dos programas de pós-graduação no Brasil já contam com algum tipo de ação afirmativa.
Publicado neste domingo (12), o levantamento mostra que, ao todo, são 2.817 programas de pós-graduações existentes e mais da metade possuem ações afirmativas para para pretos, pardos, indígenas, quilombolas, transexuais, mães, pessoas com deficiência ou estudantes de baixa renda. Em 2018, apenas 26,8% desses programas tinham vagas reservadas.
“Aos poucos, a academia deixa de ser a torre de marfim isolada da sociedade”, afirma o pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), Luiz Augusto Campos, em entrevista ao G1. Ainda segundo ele, boa parte da produção científica no Brasil vem da pós-graduação e as ações se tornam ainda mais importantes com esse cenário. “Se só tiver homem branco de classe média alta lá, sobre o que serão as pesquisas? Seria um apartheid cognitivo”, pontua.
Para o professor Gustavo Monaco, presidente da Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, a entrada de pessoas de outros grupos sociais no mestrado e doutorado levou diversidade às discussões acadêmicas e essa quantidade chama atenção dos professores. “Temas de dissertações e teses estão trazendo problemáticas que até então não apareciam, como as de equidade de gênero e de raça”, revela.
Adoção de política de cotas
Dois principais fatores são responsáveis pela mudança de perspectiva na pós-graduação. O primeiro, vem de uma portaria do Ministério da Educação (MEC), de 2016, em que as instituições deveriam enviar proposta de inclusão de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na pós-graduação. Porém, era apenas uma proposta, facultativa. De acordo com Venturini, apesar de não ter sido algo obrigatório, foi entendido assim por muitas instituições. “A medida acabou tendo um papel indutor muito importante”, explica.
O segundo motivo, e mais decisivo, segundo a pesquisadora, foi a implementação da Lei de Cotas (12.711/2012) para pessoas negras e de baixa renda, que completa 10 anos em 2022. “Quanto maior for a participação destes grupos nas faculdades, maior será o número de potenciais alunos de mestrado e doutorado. Eles colocam uma pressão maior para entrarem na pós, por meio de movimentos sociais e estudantis”, comenta Venturini.
Tiro no pé
Em junho de 2020, pouco tempo antes de deixar o cargo, o então Ministro da Educação, Abraham Weintraub, revogou a portaria que dava acesso às cotas na pós-graduação. Dias depois, a decisão do ex-ministro foi revogada pelo MEC e a repercussão, principalmente nas redes sociais, foi imediata e fez com que o assunto fosse discutido novamente. “Weintraub chamou atenção para um tema que estava meio adormecido, e o tiro saiu pela culatra”, afirma Luiz Augusto Campos.
Dificultadores
Um dos obstáculos para os cotistas ainda é, por exemplo, o idioma estrangeiro. Mariana Lucena concluiu o mestrado na Universidade Federal do Pará (UFPA) como beneficiária de ações afirmativas e revela que uma das suas dificuldades foi a prova de língua estrangeira. “Tive muita dificuldade na prova de proficiência em língua estrangeira. Era eliminatória; fiquei muito angustiada. Fora que depois, durante o curso, os professores passavam vários textos em inglês. Eu e outras pessoas negras ficávamos constrangidas, porque estávamos ao lado de gente que estudou nas melhores escolas privadas de Belém”, afirma.
“Assim, eles poderão internacionalizar as pesquisas e publicar artigos em revistas de outros países. O problema é que alguns programas exigem fluência em outra língua logo no processo seletivo, em uma prova eliminatória”, explica a pesquisadora Anna Venturini, sobre as exigências da Capes. Segundo ela, a Coordenação exige que cotistas e não cotistas em cursos de pós-graduação terminem os cursos dominando idiomas estrangeiros: um no mestrado e dois no doutorado.
Outro dificultador são os valores de bolsa permanência oferecidos pela Capes e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Atualmente, o mestrado paga R$ 1.500,00 e o doutorado R$ 2.200,00 para o bolsista que precisa se dedicar, quase exclusivamente, à pesquisa. Esses valores estão há nove anos sem reajustes. “Fica difícil se manter em cidades grandes, como São Paulo e Rio. O aluno acaba precisando escolher entre ajudar a família ou aceitar uma bolsa de valor pouco atrativo”, comenta.
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