Mais de 140 médicos que atuam em unidades de urgência e emergência do SUS em Belém estão com salários atrasados, alguns há quatro meses, segundo apuração do ICL Notícias. A situação, que afeta cerca de metade da rede municipal segundo levantamento dos próprios profissionais, levou o Ministério Público Federal a alertar sobre o risco de um colapso no sistema de saúde às vésperas da COP30, conferência do clima da ONU que receberá cerca de 50 mil visitantes na cidade em novembro.
Os médicos, que preferiram manter o anonimato por medo de represálias, relataram dificuldades para sustentar suas famílias. “Os médicos estão sem dinheiro, estão vendendo suas coisas pra sustentar a família”, disse uma profissional ao ICL. Outro mencionou um colega que tem R$ 60 mil para receber e não tinha recursos para fazer compras no supermercado.
O problema está relacionado a um complexo processo de terceirização e quarteirização promovido pela gestão do prefeito Igor Normando (MDB). As unidades são geridas por Organizações Sociais de Saúde (OSS), que por sua vez contratam outras empresas para fornecer a mão de obra médica. Esse arranjo cria uma cadeia de responsabilidade difusa, onde os profissionais não sabem a quem cobrar efetivamente.
Em protesto realizado na quarta-feira (8), um grupo de 40 profissionais se reuniu na Secretaria Municipal de Saúde (Sesma). Um dos cartazes resumia o descontentamento: “Na pandemia heróis, em 2025… palhaços”.

Uma fiscalização do Conselho Federal de Medicina na UPA de Icoaraci, uma das regiões mais populosas, constatou que a unidade funciona de forma precária. De acordo com o relato do médico Joaquim Perreira Ramos ao ICL, “não tem atendimento de paciente traumatizado, por falta de estrutura e de profissional especializado” e também não há “segurança para proteção dos profissionais que atuam na unidade”.
O modelo de contratação adotado agrava a situação. Os médicos são forçados a se tornarem “sócios” das empresas contratantes, sem vínculo empregatício. Uma cláusula contratual da GroupMed, uma das empresas envolvidas, estabelece explicitamente que “não caracteriza outro vínculo entre os parceiros diferentes do regime de parceria empresarial, não caracterizando relação trabalhista”.
Na prática, isso significa trabalhar sem direitos trabalhistas e com atrasos frequentes. Um profissional de 31 anos explicou à reportagem do ICL: “Um médico que antes recebia líquido cerca de R$ 1.360,00 por plantão, agora passa a receber em torno de R$ 1.100,00 líquidos, sem direitos trabalhistas”.
Questionada, a Secretaria de Saúde de Belém afirmou que a responsabilidade pelos pagamentos é das empresas e não da pasta, acrescentando que o processo de transição foi transparente. O Instituto Diretrizes, que administra duas UPAs, informou ter efetuado na quinta-feira (9) o pagamento dos honorários referentes a setembro. A Tríade Serviços afirmou que não possui pendências e que todos os pagamentos estão dentro do prazo. A GroupMed não respondeu aos pedidos de contato.
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