Enfim, quem foi Carolina Maria de Jesus? Ela escreveu o livro “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”, em 1960. A obra foi traduzida em quatorze línguas e publicada em mais de 40 países, tornando-se um dos livros brasileiros mais conhecidos no exterior. O livro narra o cotidiano precário em uma favela de São Paulo, onde ela criava seus três filhos.
De acordo com a Literafro – O Portal da Literatura Afro-brasileira, a escritora foi “descoberta” pelo jornalista Audálio Dantas, na década de 1950. Carolina estava em uma praça vizinha à comunidade, quando percebeu que alguns adultos estavam destruindo os brinquedos ali instalados para as crianças. Sem pensar, ameaçou denunciar os infratores, fazendo deles personagens do seu livro de memórias. Ao presenciar a cena, o jovem jornalista iniciou um diálogo com a mulher negra e favelada que possuía inúmeros cadernos nos quais narrava o drama de sua indigência e o dia-a-dia do Canindé.
Dantas de imediato se interessou pelo “fenômeno” que tinha em mãos e se comprometeu em reunir e divulgar o material. A publicação de Quarto de Despejo deu-se em 1960, tendo o livro uma vendagem recorde de trinta mil exemplares, na primeira edição, chegando ao total de cem mil exemplares vendidos, na segunda e terceira edições. Além disso, foi traduzido para treze idiomas e distribuído em mais de quarenta países.
Carolina publicou ainda mais três livros: Casa de Alvenaria (1961), Pedaços de Fome (1963), Provérbios (1963). O volume Diário de Bitita (1982), publicação póstuma também oriunda de manuscritos em poder da autora, foi editado primeiramente em Paris, com o título Journal de Bitita, que teria recebido, a princípio, o título de Um Brasil Para Brasileiros. Em 1997, o pesquisador José Carlos Sebe Bom Meihy, autor do volume crítico Cinderela Negra, em que discute a vida e a obra da autora, reuniu e trouxe a público um conjunto de poemas inéditos com o título de Antologia Pessoal. Todavia, nenhuma destas obras conseguiu repetir o sucesso de público que Quarto de Despejo obteve. De acordo com Carlos Vogt (1983), Carolina Maria de Jesus teria ainda deixado inéditos dois romances: Felizarda e Os escravos.
Que suplício catar papel atualmente! Tenho que levar a minha filha Vera Eunice. Ela está com dois anos, e não gosta de ficar em casa. Eu ponho o saco na cabeça e levo-a nos braços. Suporto o peso do saco na cabeça e suporto o peso da Vera Eunice nos braços. Tem hora que revolto-me. Depois domino-me. Ela não tem culpa de estar no mundo.
Refleti: preciso ser tolerante com os meus filhos. Eles não tem ninguém no mundo a não ser eu. Como é pungente a condição de mulher sozinha sem um homem no lar.
Aqui, todas impricam comigo. Dizem que falo muito bem. Que sei atrair os homens. (…) Quando fico nervosa não gosto de discutir. Prefiro escrever. Todos os dias eu escrevo. Sento no quintal e escrevo (Quarto de Despejo, p. 160, 2017)
O livro de Carolina Maria de Jesus traz inúmeras reflexões acerca da situação de pobreza nas favelas. As dificuldades que uma mulher negra, sozinha enfrenta para criar seus filhos, ou seja, a solidão da mulher negra. O livro também denuncia a miséria e a violência na década de 1950 no bairro do Canindé.
Vale ressaltar que, Audálio Dantas alterou apenas algumas vírgulas, palavras que seriam incompreensíveis para os leitores e algumas repetições, ademais, o livro conservou a escrita de Carolina, o que o torna ainda mais interessante.
No meio de tanto sofrimento uma voz conseguiu ser ouvida e reproduzida de maneira autêntica, mesmo que essa repercussão tenha sido maior lá fora, isso só mostra que precisamos dar a devida atenção a esse rico acervo cultural histórico. Belo texto!!