A ancestralidade afro-brasileira foi celebrada nesta semana, em Cachoeira, município do Recôncavo baiano (a 110 km de Salvador), com a festa de Nossa Senhora da Boa Morte. Considerada uma das mais tradicionais celebrações da memória e da cultura negra do país, o ponto alto da festa aconteceu na segunda-feira, com a celebração da glorificação de Nossa Senhora. O encerramento oficial ocorreu nesta quarta-feira (17), com distribuição de caruru e samba de roda.
Depois de dois anos sem os festejos, em decorrência da pandemia, a Irmandade retomou suas atividades festejando 202 anos de presença em Cachoeira, conforme as devotas de Nossa Senhora da Boa Morte.
Líder do Grupo de Samba de Roda Suerdieck e a primeira pessoa a receber o título honorífico de Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Dona Dalva Damiana de Freitas, comemorou o retorno das festividades. “Estou feliz de estar aqui na casa de Nossa Senhora, mãe poderosa e boa que nos concedeu o direito de estar aqui. Eu agradeço por estar aqui com 95 anos de idade, que vou compeltar. Comecei a caminhar aqui junto com minha avó, segurando a barra da saia da minha avó, hoje sou uma das mais velhas. São anos de alegria, de tradição e de amor”, declarou emocionada.
A Festa considerada patrimônio da Bahia desde 2010 é organizada pela Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte. Uma associação de mulheres negras acima de 40 anos. A Irmandade foi criada por mulheres africanas economicamente emergentes, que além do papel político que exerciam na sociedade escravista, se impuseram também como institucionalizadora do candomblé baiano enquanto um fenômeno urbano.
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“A irmandade da Boa Morte é um dos maiores exemplos de resistência feminina do Brasil. Em Cachoeira o movimento feminino começa com mulheres que eram ganhadeiras, comerciantes informais que lutavam para comprar a liberdade. A compra de alforria foi o principal protagonismo: captar recursos para libertar os negros e as negras. As irmãs da Boa Morte são a nossa referência da mulher negra, da mulher empoderada e da mulher da resistência”, explica Valmir Pereira, pesquisador e produtor cultural que trabalha há 27 anos na Irmandade.
Os rituais públicos atraem milhares de pessoas e são marcados por missas, samba de roda, distribuição de comidas e procissões pelo centro histórico da cidade. Maristela da Rocha, 52, moradora de Recife, participou pela primeira vez das festividades. “Realizei um grande sonho de estar aqui. É uma reconexão com a nossa ancestralidade. A força e a fé dessas mulheres são a energia que fortalece a nossa luta pela vida das mulheres negras,” disse.
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Segundo o historiador Cacau Nascimento, os atos da Irmandade são formados por um duplo pertencimento, publicamente os ritos católicos em que dramatizam os três dias da morte ou dormição de Maria. Porém, privativamente, ocorre o culto aos orixás.
“A Irmandade, privativamente reverenciam as grandes mães de acordo como até dias atuais realizam as Sociedades Gèlèdé no Benin e na Nigéria, que são as ancestrais femininas e os orixás ligados à concepção (Oxalá, Iemanjá, Nanã, Oxum) e à morte (Ogum, Obaluaiyê e Nanã), e a Nanã e Oxumarê, que são orixás que atuam nos planos do Orum (o céu) e o Aiyê (a Terra) ”, disse.
Atualmente 50 irmãs fazem parte da associação. Aurelina de Jesus é uma das mais antigas. Ingressou no grupo ainda com 13 anos de idade, hoje está com 81.
“Esta festa representa paz, lembranças, tristeza do passado das irmãs que já se foram, mas a fé nos ilumina, nos protege. Que Nossa Senhora dê compreensão a quem deve se responsabilizar pelos humildes e que Deus nos proteja para que possamos alcançar dias melhores do que o de hoje. Que as bênçãos de Nossa Senhora da Boa Morte possam se estender a todos”, pediu.
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