Imagine ter em uma das paredes de casa 500 sapatos colados lado a lado. A cineasta e atriz carioca, Simone Soares, dedicou um dos cômodos do seu apartamento, no Centro do Rio, para realizar a instalação “Eu não vou fazer esse caminho”, uma forma de protestar contra o feminicídio no Brasil e homenagear as vítimas. De acordo com a pesquisa “A Dor e a Luta: Números do Feminicídio”, da Rede de Observatório da Segurança, 1.823 mulheres foram mortas por crime de ódio em 2020, o que dá a média de cinco casos por dia.
Segundo Simone, a ideia inicial era fazer a instalação em um museu, o que foi descartado por causa da Pandemia. “Originalmente, a ideia era retratar um caminho até uma cova, usando os sapatos, mas veio a Pandemia e o convite não rolou, então resolvi ressignificar a instalação no meu apartamento, inclusive, porque nesse período pandêmico a violência doméstica aumentou. Eu sempre quis retratar as vidas perdidas dessas mulheres, então pensei em abordar o caminho que é feito até o feminicídio”, conta.
Os 500 sapatos – ou 250 pares – colados na parede do apartamento da artista foram comprados em brechós ou doados por pessoas próximas. Soares conta que o maior desafio foi encontrar um material adesivo correto que fixasse os calçados na parede. “No início, os sapatos caiam muito, então eu comecei a tentar todos os tipos de fitas adesivas possíveis, até encontrar uma que realmente servisse, até porque os sapatos têm tamanhos e pesos diferentes. Eles são diversificados, pois nós mulheres estamos morrendo em todas as classes sociais, profissões, cores”, explica a artista.
Segundo Simone, a instalação deve ficar disponível até o fim da Pandemia ou quando houver a oportunidade de levá-la para um local de acesso ao público. Ela conta que está trabalhando em uma forma de dar mais visibilidade à obra. “Com a Pandemia, a arte também precisou se adaptar, com exposições não é diferente. Minha ideia é criar uma página na internet e possibilitar um tour virtual, com fotos em 360º, dados sobre o feminicídio e bastidores. E assim que for possível, quero levar a instalação para um lugar onde as pessoas possam visitá-la e refletir ainda mais sobre o assunto”, pontua.
A instalação é um alerta para que mais mulheres não sejam agredidas, violentadas e mortas. “Como mulher e artista negra, tenho o compromisso de debate sobre o tema, de estimular as mulheres e homens a discutir o assunto, principalmente dentro da nossa comunidade. Precisamos adquirir conhecimento sobre as leis e mecanismos de proteção como o Disque 180. Esta é uma das formas de nos recusarmos a fazer esse caminho, o caminho da morte, e não esquecermos as que fizeram”, conclui Soares.