Arrastão do apagamento em Copacabana

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Por: Márcio de Jagun

Nos últimos dias, Copacabana, a praia mais famosa do mundo, virou cenário de uma discussão típica da colinialidade: quem domina a religiosidade local.

O prefeito Eduardo Paes, que se elegeu com o chapéu de Zé Pilintra, agora flerta com a direita conservadora e busca o voto evangélico. Neste sentido, concedeu a este segmento um palco exclusivo para a música Gospel no maior evento da cidade: o Réveillon de Copacabana.

O debate não é sobre ritmo. O pano de fundo nessa discussão, é a exclusão.

A cerimônia a Yemanja, feita em Copacabana, começa ao final dos anos 1950, tendo como articulador Tancredo da Silva Pinto, homem negro, importante sacerdote de matriz africana. Desde então, vários elementos dessa festa sagrada foram gradativamente sendo introduzidos na cultura carioca e brasileira: como vestir-se de branco na passagem do ano, jogar flores no mar, pular as sete ondinhas… Em qualquer lugar do mundo, os brasileiros se vestem de branco nessa data. Inclusive, muitos nem são adeptos à Umbanda, nem ao Candomblé…

Babalorixá Márcio de Jagun, autor de oito livros sobre crenças afro-brasileiras – Foto: Reprodução

Ao longo do tempo, a festa cresceu e se tornou o maior evento turístico do Brasil, trazendo milhões de reais em divisas para a economia.

Ocorre que os criadores da festa, aos poucos foram sendo alijados. Não puderam mais realizar seus rituais dia 31/12, sob a alegação da gestão pública, de que havia muitos turistas. O calendário da cidade os realocou para dia 30. Até que hoje, a data disponibilizada é 29/12.

Importante frisar que, há alguns anos, os organizadores do Presente de Yemanjá pleiteiam, junto à Prefeitura, a utilização do palco do Réveillon para fazerem suas apresentações culturais. Nunca lhes foi permitido. Contudo, no ano passado, a mesma Prefeitura resolveu criar um palco exclusivo para as músicas Gospel. Ou seja, as questões centrais são: a falta de reconhecimento desse protagonismo, a exclusão e o preconceito.

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Nada contra a existência de músicas com variados estilos. Porém, em uma sociedade tão discriminatória como a nossa, esse fato não é irrelevante. Ainda mais, quando se observa precedentes de apropriação cultural e de violência crescente aos valores e templos do Povo de Axé. Vale lembrar a “Capoeira de Jesus” e o “Acarajé de Jesus”. Só falta agora inventarem um “Presente a Jesus em Copacabana”!

Somos uma sociedade plural, diversa. Tem espaço para todos. Só não podemos aceitar que os fundadores da festa sejam tratados dessa forma.

Enquanto isso, pessoas, símbolos religiosos e templos de Matrizes Africanas são sistematicamente agredidos há 500 anos no Brasil. Não dá para banalizar os fatos. Não dá para normalizar essa nova tentativa de apagamento e desrespeito. Isso é um arrastão, só que realizado pelas elites hegemônicas.

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