A violência contra os povos indígenas no Brasil se intensificou em 2024, e a principal causa apontada é a promulgação da Lei 14.701/2023, que instituiu o chamado Marco Temporal, conforme relatório divulgado nesta segunda-feira (28) pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), entidade vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Segundo o levantamento, a norma, ao estabelecer que somente os territórios ocupados por indígenas até 5 de outubro de 1988 podem ser demarcados, gerou insegurança jurídica e estimulou atos de violência. Apesar de uma leve queda nos casos de violência patrimonial (de 1.276 para 1.241), os registros de agressões contra pessoas cresceram, passando de 411 para 424 episódios. Foram contabilizados 211 assassinatos, três a mais que no ano anterior, e 208 suicídios, um aumento superior a 15%.
Ainda de acordo com o relatório, mesmo em terras oficialmente demarcadas, a violência se manteve presente: 61% das invasões ocorreram em áreas já reconhecidas. Entre os territórios invadidos, 48 sofreram com queimadas, muitas vezes sem resposta adequada do poder público.

Em relação à violência direta, a maioria dos homicídios ocorreu em Roraima (57), Amazonas (45), Mato Grosso do Sul (33) e Bahia (23). Também foram registrados casos de tentativas de assassinato, violência sexual, racismo e discriminação. O historiador Carlos Trubiliano, professor da Universidade Federal de Rondônia, destacou em entrevista ao G1 que os 211 assassinatos refletem “a permanência dos conflitos fundiários, a atuação de grupos criminosos e a fragilidade das políticas públicas de proteção”.
Dois episódios marcantes ilustram essa escalada: o assassinato de Nega Pataxó Hã-Hã-Hãe durante uma retomada no sul da Bahia, em janeiro, e a morte de Neri Ramos da Silva durante ação policial na Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, em setembro. Mais de 30 ataques armados foram documentados em 2024.
A omissão estatal também foi denunciada. O relatório contabilizou 311 casos de negligência, incluindo 208 suicídios, a maioria de jovens entre 10 e 29 anos , e 922 mortes de crianças indígenas menores de 5 anos, muitas por causas evitáveis. Para Trubiliano, esses dados revelam “a precariedade nos serviços de saúde, saneamento, alimentação e vacinação”.
A crise ambiental agravou a situação. Eventos extremos como inundações no Sul e seca severa no Norte afetaram gravemente as comunidades, assim como o avanço do garimpo ilegal, a contaminação por mercúrio e o uso de agrotóxicos.
Os povos indígenas em isolamento voluntário também enfrentaram riscos. Foram registrados 119 casos na Amazônia Legal, dos quais 37 não têm nenhuma medida protetiva por parte do Estado. Mesmo onde há reconhecimento, persistem ameaças como exploração de madeira, gás e danos ambientais.
Desde 1985, foram documentados 1.525 assassinatos de indígenas no Brasil, todos mapeados na plataforma digital Cartografia de Ataques Contra Indígenas (Caci), mantida pelo Cimi. O relatório “Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil” é publicado desde 1996 e tornou-se anual em 2003.
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