Aluna cotista perde vaga em Medicina após comitê da UFF rejeitar autodeclaração como parda

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A baiana Samille Ornelas, de 31 anos, teve sua matrícula no curso de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF) cancelada após o comitê de heteroidentificação da instituição não reconhecer seus traços como compatíveis com os de uma pessoa parda. A estudante, aprovada em 2024 pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu) na modalidade de cotas para pretos e pardos com baixa renda, já cursava o primeiro semestre quando a liminar judicial que lhe permitia estudar foi revogada.

Samille estudou em escola pública e já havia se formado em Biomedicina com bolsa do Prouni, também por meio do sistema de cotas. No processo seletivo da UFF, como previsto no edital, enviou um vídeo curto mostrando seu rosto e se autodeclarando parda. No entanto, o comitê considerou que ela não apresentava “características fenotípicas” compatíveis e indeferiu sua autodeclaração.

Ela recorreu dentro da própria universidade, apresentando novo vídeo, fotos de diversas fases da vida e a comprovação de que já havia sido beneficiária de ações afirmativas. Ainda assim, a instituição manteve o indeferimento.

Em janeiro de 2025, Samille conseguiu uma liminar que lhe garantiu o direito de se matricular. “Soube na sexta à noite que poderia ir para a aula de segunda-feira. Pedi demissão no meu trabalho no sábado, peguei um ônibus às 22h e fui para o Rio de Janeiro. Vim na correria, três dias depois de perder meu pai”, contou ao G1.

Samille estudou em escola pública e já havia se formado em Biomedicina com bolsa do Prouni, também por meio do sistema de cotas – Foto: Reprodução redes sociais.

Mas, quando restavam apenas duas provas para concluir o semestre, a Justiça cassou a liminar. Ao tentar acessar o sistema da universidade, teve seus dados apagados. “Minhas notas, minha grade horária, tudo tinha sumido. Deixaram apenas um aviso no sistema: ‘matrícula cancelada por liminar cassada’. Minha vida toda está assim, bagunçada, destruída, baseada em um vídeo de 17 segundos”, declarou.

De acordo com o G1, a avaliação feita por comitês de heteroidentificação leva em consideração exclusivamente os traços físicos, como tom de pele, formato do nariz e lábios, e não a ancestralidade. Na UFF, essa análise ocorre a partir de vídeos gravados pelos candidatos, conforme determinado pelo edital. Esse tipo de verificação foi considerado legítimo pelo Supremo Tribunal Federal, e a normativa do governo federal exige que apenas critérios fenotípicos sejam usados em concursos públicos.

A fim de fortalecer sua defesa, Samille foi orientada a se submeter à avaliação de um antropólogo, que emitiu laudo confirmando traços de origem negroide. Ainda assim, isso não foi suficiente.

“Eu estou com dificuldade de me olhar no espelho, ando na rua com vergonha, de cabeça baixa. Porque eu sempre tenho a sensação de que alguém vai olhar para mim e vai falar: ‘Você não é, você é uma impostora’”, disse.

Apesar do sofrimento, Samille segue acreditando no sistema de cotas e nas bancas de verificação. “Só queria que admitissem que erraram”, afirmou. Agora, com o caso em instâncias superiores, ela voltou a estudar para o Enem e não pretende desistir. “A medicina é mais do que um sonho. É um propósito”.

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Thayan Mina

Thayan Mina

Thayan Mina, graduando em jornalismo pela UERJ, é músico e sambista.

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