Acabou o verão: como produtores e artistas periféricos se preparam para o pós-festas 

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Matéria veiculada originalmente no Coletivo Entre Becos, de Salvador, e replicada na íntegra com as devidas autorizações e créditos. Reportagem de Joyce Melo; Edição de Cleber Arruda e Rosana Silva.

Gerar altas expectativas de crescimento para a carreira no período do Carnaval e pós-festas em Salvador e, logo depois, se frustrar é um sentimento familiar para a cantora e compositora Nêssa, 32. “Já vivi isso algumas vezes, do Carnaval ser um momento incrível, de muitas oportunidades, e aí me decepcionar com aquela depressão pós-carnaval, que todo artista tem aqui em Salvador, de zero evento, zero procura”, desabafa.

Para ela, essa frustração pós-verão atinge muitos profissionais da área. “Tem que ter muita inteligência emocional para ser artista independente aqui. Acho que todos os artistas, todas as pessoas que trabalham com eventos em Salvador, o pessoal do entretenimento, sofrem com isso”, lamenta Nêssa. 

Nêssa em show durante o verão. Foto: Lane Silva/Arquivo

A agitação da cidade costuma ter início em novembro, especialmente, após a criação do AfroPunk Bahia e do Salvador Capital Afro, ações de fortalecimento da cultura afro de Salvador que realizam diversas ações. Esses eventos começam no mês da consciência negra e vão até o Carnaval, com atividades pontuais ao longo do ano.

“O verão é um período bem corrido, a gente fica em exaustão de tanto trabalho. Um evento atrás do outro, tanto para networking quanto para gerar renda. Aí, a gente cria muitas expectativas para o pós”, pontua Nêssa, que é moradora do bairro de Caixa D’água, periferia da capital baiana. 

A cantora, que teve sua primeira formação e trabalho como designer gráfica, tem colhido bons frutos em seis anos na carreira musical. Entre outros resultados, ultrapassou 2 milhões em streamings apenas com o single “Aquele Swing”, que está na trilha sonora do filme Ó Pai Ó, 2. 

Contudo, Nêssa diz que viver de arte ainda não é uma opção viável e que cada vez mais percebe a importância de compreender o funcionamento da cidade para colocar o exercício do planejamento em prática.  

“Você pensa só no Carnaval, o que é que a gente vai lançar para o verão? E aí, a gente não tem o costume de pensar no pós. Então, sempre me pego despreparada depois disso”, explica a cantora

Carol Xavier em apresentação na noite da Beleza Negra do Bloco Ilê Aiyê. Foto: Viny Soares/Arquivo

Para Carol Xavier, 25, bailarina de dança afro e moradora do bairro de Sussuarana, desenvolver um planejamento eficaz também é desafiador, dada a desvalorização da sua arte. 

“De novembro até o Carnaval foi um período intenso sim, mas o retorno não foi tão intenso como gostaria, trabalhei muito e recebi pouco”, afirma.

A dançarina avalia que a desvalorização da cultura e dos artistas locais é bem significativa para sua área por conta das poucas oportunidades e da falta de formação para a maioria que pode acessá-las. Apesar de a dança ser sua principal fonte de renda, Carol considera insustentável depender exclusivamente dela.

É difícil falar de estratégias para sobreviver no pós-verão, porque a gente busca estratégias para sobreviver o ano todo, inclusive, no verão”, diz a dançarina

Ela relata que o networking e as redes sociais são seus maiores aliados na captação de novos contratos. No entanto, as dificuldades frequentes a fazem questionar sua persistência diariamente. Com todos os obstáculos, Carol diz seguir firme em sua paixão pela arte há mais de 10 anos.

Verão Maior

Produtora cultural há 14 anos, Camila Brito, 34, fundadora do Coliga Produções, considera importante repensar o fomento à música local durante esse período de efervescência de eventos na cidade.

Avalio que há uma marginalização de artistas locais e independentes em detrimento de artistas que chegam neste período para se apresentar em Salvador. Mas quem é que faz a música acontecer o ano todo na cidade?”, questiona a moradora do Engenho Velho da Federação.

Para Camila, é necessária a criação de políticas culturais contínuas que possam garantir um desenvolvimento estratégico do setor e valorizem os profissionais locais. Ela ressalta ainda a importância da democratização do acesso para que os eventos realizados com recursos públicos não se limitem sempre aos mesmos artistas e produtoras na programação. 

“É crucial atrair investimentos que permaneçam em nossa região e estimulem sua potência criativa ao longo do ano”, observa Camila.

Mas há quem perceba outras oportunidades surgindo atualmente na cidade. Para o produtor cultural Ziati Comazi, morador do Engenho Velho de Federação, o cenário artístico de Salvador está mudando com uma agenda intensa que se estende de novembro a julho.

Festival Pagode Por Elas realizado em janeiro deste ano com produção artística de Ziati Comazi. Foto: Lane Silva/Arquivo

Fundador da Nova Estação, produtora e aceleradora musical, Ziati observa transformações significativas no fomento cultural da cidade pós-verão. 

“Tenho uma avaliação muito positiva desse ano. Muita coisa mudou na cidade em relação à cultura, principalmente, após a vinda de Beyoncé para Salvador, que ficou no eixo dessa efervescência”

Para ele, eventos como a visita da cantora trouxeram novos olhares para a capital baiana. “Isso está sendo enxergado, primeiro, pelas autoridades da cidade, por algumas marcas de médio porte, que também enxergaram essa potência e começaram também a investir nas ações que temos”. 

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Planejamento anual faz parte da estratégia de Ziati, que consiste em manter os projetos ativos, buscar editais que se enquadrem em sua área de atuação e enviar seu portfólio para empresas e agências que ele admira. O produtor comemora essa nova onda cultural observada na cidade. “Para mim, está sendo ótimo, graças a Deus. Não parei de trabalhar”, festeja. 

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