A onda antirracista virou uma marolinha: a tragédia já era anunciada

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Por Igor Rocha*

No ano de 2019, a escritora mineira Conceição Evaristo foi a homenageada do 61° Prêmio Jabuti como personalidade literária. À época, participei de uma entrevista coletiva de forma virtual, como repórter e editor do Notícia Preta, e fiz a seguinte pergunta: “a senhora acha que essa homenagem vem por conta da onda antirracista que a sociedade abraçou nos últmos meses?”

A assessora de imprensa da Câmara Brasileira do Livro (CBL) “atravessou o samba” e correu para responder pela escritora e a resposta foi algo tipo: “não é uma onda, a luta antirracista veio para ficar e faremos de tudo para que ela se torne cada vez maior” (reforço que não é ipsis litteris). Nesse momento fiquei até com medo de um tsunami antirracista invadir o mundo [contém ironia].

Neste artigo o jornalista Igor Rocha fala sobre a diminuição de políticas e movimentações antirarcistas ao longo dos últimos anos /Foto: Pexels

Bom, acho que não preciso falar o quanto as coisas mudaram de lá para cá. Em 2020, assassinatos de George Floyd e Beto Freitas, esse um dia antes das celebrações da Consciência negra; casos de racismo aumentando exponencialmente, ano após ano; e, por fim, as retiradas de programas de diversidade e inclusão das pautas das big techs, principalmente Google e Meta. 

Aí a descida ladeira abaixo ficou mais intensa. Vários programas de formação e profissionalização voltados para o publico negro, LGBT+, mulheres e outras maiorias minorizadas foram extintas em grandes empresas e a situação vem só piorando…  Um grande golpe foi o adiamento/cancelamento da Feira Preta, em São Paulo, o maior evento de afroempreenderoes e de economia criativa, idealizado pela empresária, negra, Adriana Barbosa. 

Estou falando de um evento voltado para pessoas negras na maior cidade do país, um local cosmopolita, onde o dinheiro circula de verdade. Imaginem como estão outros locais do país quando se fala em luta antirracista? E não entro no termo “diversidade” porque quando incluem pessoas negras nesse universo, continuamos sendo preteridos e as “cerejas do bolo” sempre ficam com mulheres brancas. Não vou discutir esse ponto. 

Ainda falando da Feira Preta para exemplificar o esvaziamento da pauta, ela chegou a atrair um público de 60 mil pessoas nos três dias de evento, como em 2024, gerando 600 empregos de forma direta e outros 1200 de forma indireta. É muito preto ganhando dinheiro e a sociedade não suporta isso, querem nos ver como subalternos, como empregados da branquitude.  

O evento recebeu mais de 150 afroempreendedores em 2024, com um volume de negócios em torno de R$1,4 milhão por dia. Até o ano de 2024, eram 35 patrocinadores, nas mais diversas cotas, além do apoio do Ministério da Cultura por meio da Lei Rouanet. 

Para onde foram esses patrocinadores? Qual retorno não tiveram para não voltarem? Qual é a expectativa para a próxima edição? São respostas que só a Adriana pode ter, ou nem ela, mas de uma coisa temos certeza, quando o incentivo é para grandes eventos, voltados para um público não negro, como é o caso do Rock In Rio ou o Lollapalooza, patrocínios aparecem dos bueiros, dos locais menos prováveis, mas quando é para fortalecer a comunidade negra, não existe uma onda que suporte e não morra na praia, como uma ligeira marolinha.

Igor Rocha é jornalista, redator jornalístico, assessor de imprensa com ampla experiência na área, videomaker, por cinco anos foi editor do Notícia Preta.

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