Resistir, sobreviver e vencer

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Rochelly Rangel, mulher trans, preta e periférica é um exemplo de resistência num país racista, machista, transfóbico e em uma onda conservadora. Ela poderia já não estar mais entre nós, afinal, a média de vida de uma mulher trans no Brasil é de 33 anos – e ela sobreviveu. E das tantas dificuldades na vida, venceu e tem vencido de diversas formas – seja em um reality show de coquetelaria (o Bar Aberto), seja como referência para outras mulheres trans que se inspiram nela. E Rochelly tem mais um motivo para celebrar no dia de hoje: é a primeira mulher trans no Brasil a assinar uma carta de drinks em uma rede multinacional de hotéis: a rede Hilton.

Crédito: Tomás Rangel

Resistir é um dos verbos que Rochelly mais conhece na vida. Primeiro, resistiu aos padrões binários de uma sociedade que não aceitou enxergá-la da maneira que ela sempre se viu. Resistiu também às duras limitações relacionadas à empregabilidade que mulheres trans sofrem no nosso país. Continua resistindo de diferentes formas ao se levantar contra o racismo, a intolerância religiosa e ao não ficar quieta ao lidar também com a transfobia. Mesmo com tanta dor, Rochelly resiste com elegância, finesse e ousadia. Essa mulher de Guarulhos (SP) exala resistência.

Rochelly também sobreviveu às barbáries que assolam as mulheres trans no Brasil. Elas são estigmatizadas e mortas. Elas muitas vezes não têm acesso ao mercado de trabalho formal, e; quando têm, são desrespeitadas diariamente até que preferem deixar o trabalho formal para não sofrerem violências verbais e algumas vezes físicas. E, a educação ajudou Rochelly nesse reality show da vida real. Foi no projeto TransGarçonne (UFRJ) que sua realidade começou a mudar. Conseguiu seu emprego formal com carteira assinada e depois de um curso profissional, se tornou embaixadora do projeto – sendo referência para outras pessoas trans no Rio de Janeiro Depois, chegou à TV.

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Sim, a própria vida de Rochelly Rangel é um reality show com muita emoção. Ela é personagem para qualquer reality show (claro). No Bar Aberto não foi diferente. Já tendo resistido na vida, sobreviveu e com tantas provas de resistência que a vida lhe impôs, venceu a maior competição de Coquetelaria do Brasil. Foi lá e deu o nome. E agora, começa a alçar vôos como bartender e assina três receitas, que estarão disponíveis no Restaurante Abelardo, no Lobby Bar e no Rooftop Bar (Hilton Barra) e no Clari Bar e no Isabel Lounge (Hilton Copacabana). 

Rochelly escolheu homenagear grandes figuras femininas: Oxum, Marsha e Glória Maria. À base de gim, com manga, maracujá, limão, água tônica, manjericão e um toque de pimenta da Jamaica, o drink Oxum celebra a maternidade e é inspirado na orixá do ouro e da fertilidade. O coquetel cítrico e refrescante, criado por Rochelly, garantiu o primeiro lugar no Bar Aberto.

Crédito: Tomás Rangel

Com as cores da bandeira trans e muito glitter comestível, Marsha foi o coquetel escolhido para celebrar a diversidade em junho, Mês do Orgulho LGBT. Homenageando Marsha P. Johnson, travesti e ativista norte-americana que foi uma das principais figuras da Rebelião de Stonewall, em 1969, o drink leva vodka, goiaba, suco de hibisco e espuma de gengibre. Para Rochelly, a homenagem é uma forma de lembrar a luta de trans e travestis contra o preconceito. 

Crédito: Tomás Rangel

Símbolo antirracista e antissexista no Brasil, Glória Maria é também uma das homenageadas. A primeira repórter a entrar ao vivo e a cores na TV brasileira, em uma época em que poucas eram as mulheres pretas a terem espaço no jornalismo, ganha um drink com seu nome, feito com vodka, ramazzotti rosato, jaca, maracujá, limão e angostura. A jaca, responsável por trazer doçura para o coquetel, foi escolhida por sua importância cultural, sendo muito utilizada na alimentação de famílias da região nordeste do país, especialmente Pernambuco, Ceará e Bahia. 

Crédito: Tomás Rangel

Essa mulher é incrível. Não se desconecta das suas raízes e leva consigo o sentido de resistência, sobrevivência e vitória. Não à toa, brilha por onde passa. E hoje, 26 de Junho, é dia dela brilhar recebendo convidados em um evento intimista para lançar seus drinks no Hilton Copacabana.

Axé, irmã!

Preto Gourmet

Preto Gourmet

Empreendedor Social, criador do Prêmio Gastronomia Preta, criador do conceito Economia Pretagonista, professor de Administração no curso de Gastronomia na UFRJ, doutor em Administração (Eaesp-FGV), autor de 11 livros, pesquisador (com dezenas de artigos científicos) e homem preto que cria rupturas numa gastronomia eurocentrada. É jurado do Edital Entra na Roda da cantora Iza e curador do Camarote Folia Tropical (2023) em Gastronomia e Inclusão Social.

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