A banda Baiana System fechou a programação do segundo dia da Bienal da UNE, o maior festival estudantil da América Latina, que esse ano tem sede no Rio de Janeiro. Com os Arcos da Lapa de fundo, a banda cantou os sucessos do álbum “O Futuro Não Demora” em um show que conversou com as temáticas do cenário da educação brasileira.
O show iniciou com o grupo saudando a dupla Antônio Carlos Marques Pinto e José Carlos Figueiredo, cancioneiros que conquistaram o Brasil com sambas de sotaque baiano e algumas músicas influenciadas pela africanidade do Candomblé.
A música Água abriu a noite e brindou a cultura e estética da música baiana no Rio de Janeiro. O público, em grande parte constituído pelos quase 15 mil estudantes de todo o país que desembarcaram na cidade para o encontro, se sentiu em Salvador, como na última edição presencial do evento, realizado em 2019.
Depois da introdução light, foi hora de iniciar o bate-cabeça. Reza Forte, com seu prelúdio em formato de grito de ordem, lembrou sobre a resistência dos últimos 4 anos. “Primeiro é nunca matar. Segundo, jamais Ferir. Terceiro, estar sempre atento. Quarto é sempre se unir. Quinto, desobediência às ordens de vossa excelência que podem nos destruir”, diz a letra.
Logo após a segunda música, Russo fez um discurso que parafraseou o nome da UNE. “O importante é nós termos unidade. Isso aqui é Bienal da UNE! Vamos ter unidade com quem está do seu lado, respeito e muito cuidado com o cotovelo. Isso aqui é roda de coco”, afirmou.
“Invadiram nossas terras. Roubaram nossas riquezas. Reis, rainhas, príncipes, princesas”, bradou. Nesse momento, um dos bailarinos que vestia um macacão vermelho, se despiu do acessório deixando revelar uma camisa da seleção brasileira. “Roubaram!”, acenava o cantor sinalizando a camisa verde e amarela.
Em Capim Guiné, música com feat da agora Ministra da Cultura Margareth Menezes, o público mostrou apoio com a recém empossada. “Ô Margareth, tô com você. Vou refundar o MinC com você”, gritaram os presentes, em clara alusão ao movimento de aparelhar o ministério que na gestão Bolsonaro virou secretária especial ligada à pasta de Turismo, e depois, Cidadania.
Logo depois, Claudia Manzo dialoga com as mulheres da plateia. “Querida companheira linda louca, defende teu corpo livre tua terra, que os cães não vão tirar nosso sonho de caminhar sem medo pela rua”, cantou antes de saudar Peru, Chile, Bolívia, Panamá, Paraguai, Uruguai, Nicarágua e toda a comunidade latina em Sulamericano. Em Lucro, o público festejou em uma catarse com jeito de choro entalado na garganta. Choro reprimido por 4 anos de governo que abdicou da cultura. “Demorou, mas chegou”, cantavam os presentes.
Em Miçangas, Duas Cidades e Dia da Caça, o BaianaSystem transformou a casa da boemia carioca em uma catarse à base de uma sonoridade grave em diálogo com a guitarra baiana, em letras que trazem à cena uma nação dividida, de violência policial, de especulação imobiliária, voltada para o turismo, atualiza o diálogo com um Brasil contemporânea que se equilibra entre a festa e a desigualdade social. Apropriam-se desse território de forma afetiva e política em uma negociação tensa com as estrelas hegemônicas do carnaval e com a estrutura econômica e política, apostando na sua autonomia artística para se afirmar como um diferencial na música pop urbana de Salvador.
Em Panela, Calamatraca, Pagode Russo e Não Nasci Pra Tomar Baculejo, qualquer carioca poderia ser confundido com um soteropolitano. Em uma festa digna de carnaval político, era possível sonhar que estava em Moscou, dançando pagode russo na boate Cossacou. Em Saci e Playssom os Arcos da Lapa mostraram que é possível um diálogo com elementos cosmopolitas de uma estética global, como bases eletrônicas, soundsystem, dub, cumbia e outros elementos visuais, identitários e políticos em um intenso, conflituoso e provocativo diálogo sobre afetos, sonoridades e territorialidades. Assim a UNE e o Baiana System marcam a história em um dos maiores atos performáticos da história do movimento estudantil brasileiro.
Sobre o Baiana System.
A banda soteropolitana BaianaSystem, formada por Russo Passapusso (voz), Roberto Barreto (guitarra baiana), Marcelo Seco (baixo) e Filipe Cartaxo (concepção visual), se insere no cenário da música brasileira, em 2009, de um modo peculiar. Resultado de um projeto temporário para a gravação de apenas um disco, BaianaSystem (2010), tornou-se um dos grupos de música mais conhecidos do estado da Bahia e conquistou alcance nacional, figurando em listas de jornais, sites e revistas de melhores álbuns brasileiros do ano com o Duas Cidades (2016) e de principais shows do ano com o espetáculo dedicado ao disco.
Sobre a UNE
Da campanha O Petróleo é Nosso na década de 1940, passando pelo enfrentamento à ditadura militar nos anos 60 e 70, pelas Diretas Já nos anos 80 e pela mobilização dos caras-pintadas na década de 1990, a UNE fez parte das principais mobilizações populares da história recente brasileira. Participaram do movimento estudantil pessoas como os senadores José Serra (PSDB-SP) e Lindbergh Farias (PT-RJ), os poetas Vinicius de Moraes e Ferreira Gullar, o cineasta Cacá Diegues e o religioso Frei Betto.
O primeiro encontro estudantil da gestão Lula tem como reivindicações os reajustes da tarifa das bolsas de iniciação científica de pesquisa. A Presidenta da UNE, Bruna Brelaz, tem a missão de construir diálogo com as mais diferentes autoridades que desfilaram pela Fundição Progresso, com a missão de promover políticas públicas para juventude estudante do Brasil. Anielle Franco, de Igualdade Racial, Margareth Menezes, da Cultura, Ana Moser, do Esporte, Luciana Santos de Ciência e tecnologia e Nísia Trindade da Saúde falaram para os quase 15 mil estudantes de todo o Brasil, que efervesceram o centro do Rio de Janeiro.