Protagonizada e dirigida por pessoas brancas, a 3º temporada da série “You” (Você), que tem feito enorme sucesso na Netflix, conseguiu sair do lugar comum e abordar temáticas raciais e inclusivas como o privilégio do homem branco e relações interraciais. Na trama, o casal Joe (Penn Badgley) e Love (Victoria Pedretti), depois de praticarem vários crimes, deixam a badalada Los Angeles e se mudam para Madre Linda, um subúrbio da Califórnia, para criarem seu filho Henry. Seria o “sonho americano”, não fosse o casal formado por um stalker e uma assassina compulsiva.
Além de apostarem nas reviravoltas surpreendentes e nas muitas mortes praticadas por Joe e Love, nesta temporada, os diretores Sera Gamble e Greg Berlanti, apostaram em ácidas críticas ao padrão branco e heteronormativo. Um dos episódios, por exemplo, chama-se “Síndrome da mulher branca desaparecida”, e critica explicitamente o fato da sociedade americana dar maior importância quando uma mulher branca de classe média desaparece se comparado com outro tipo de pessoa. Neste episódio, a imprensa se debruça sobre a morte de Natalie, assassinada por Love após se tornar a nova obsessão de Joe.
Embora com um elenco majoritariamente formado por brancos, “You” chama a atenção para pontos centrais da luta antirracista. Um dos episódios aborda o privilégio do homem branco. Quando Ryan, o ex-marido de Marienne faz de tudo para tirar a guarda de sua filha, o personagem de Penn Badgley critica abertamente o sistema de justiça e as redes de relações sociais que beneficiam e protegem homens brancos, inclusive para agir contra a lei. O próprio Joe parece ter um letramento racial e consciência de seus privilégios.
Mesmo não focando em mostrar relações afrocentradas, “You” apresenta três casais interraciais com importância crucial para a trama: Cary e Sherry, que se tornam melhores amigos de Love e Joe; o deficiente visual, Dante, e o seu marido, para quem Joe entrega seu filho Henry; além do próprio Joe e de Marienne, cuja história se desdobrará na 4º temporada, já confirmada pela Netflix. Aliás, algumas questões da personagem da atriz Tati Gabrielle ainda podem ser melhor exploradas na próxima temporada como a solidão da mulher preta e maternidade solo.
Os diretores de “You” poderiam se contentar com críticas apenas aos subúrbios planejados como habitat de pessoas vazias, falsas e hipócritas, mas preferiram ir além. Tocam em pontos importantes para a comunidade negra, permitem que um personagem cego transite pela história sem ser percebido por estereótipos medíocres, e ainda criticam o negacionismo na Pandemia e os adeptos do movimento antivacina, crescente nos EUA. A série, além de empolgar com boas atuações e reviravoltas surpreendentes, mostra que produções não negras podem ser antirracistas e inclusivas.