O Brasil registrou em 2024 cerca de 1,7 milhão de pessoas que têm os aplicativos como principal fonte de renda, segundo dados divulgados pelo IBGE nesta quinta-feira (17). O número representa 1,9% dos trabalhadores do setor privado, em crescimento de 30% desde 2022. Apesar do avanço, a pesquisa revela um retrato marcado por desigualdades raciais e pela falta de garantias trabalhistas: 53,8% dos trabalhadores plataformizados são homens negros, e 71,1% atuam na informalidade.
A análise integra a PNAD Contínua, desenvolvida em parceria com a Unicamp e o Ministério Público do Trabalho, e investiga a realidade de quem depende de aplicativos de transporte, delivery e serviços gerais para sobreviver.

Renda acima da média não significa segurança
O levantamento aponta que esses trabalhadores têm rendimento mensal médio de R$ 2.996, cerca de 4% acima dos demais empregados do setor privado. No entanto, o ganho vem acompanhado de jornadas mais longas, quase 45 horas semanais, contra 39 horas dos demais, e da ausência de proteção previdenciária, já que apenas 35,9% contribuem para a Previdência Social.
O analista do IBGE Gustavo Geaquinto Fontes explica que o rendimento maior está ligado ao esforço extremo e não à qualidade do vínculo:
“Entre os plataformizados com menor escolaridade, muitos atuam como condutores de motocicletas ou automóveis. Eles trabalham mais horas e em condições mais intensas para compensar a instabilidade da renda.”
A expansão dos aplicativos é vista por especialistas como resultado da precarização das relações de trabalho após a reforma trabalhista de 2017. Em entrevista à CartaCapital, em 2019, o diretor do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, já alertava que os aplicativos se tornavam “a mais dinâmica força de geração de emprego precário no País”. Segundo ele: “A reforma trabalhista legalizou situações antes consideradas ilegais pela CLT. O trabalhador virou autônomo mesmo sem autonomia. O que chamam de flexibilidade é, na prática, o fim da proteção social.”
Embora os aplicativos tenham ampliado o acesso à renda, o estudo reforça que a falta de regulação empurra milhões de pessoas para a informalidade. O modelo de “autonomia” vendido pelas plataformas esconde controle total sobre preços, prazos e clientes em 91% dos casos, segundo o IBGE.
A concentração de homens negros nas funções mais precarizadas repete a lógica estrutural de exclusão racial no mercado de trabalho brasileiro, onde as oportunidades tecnológicas não se traduzem em mobilidade social.
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Perfil detalhado: quem são os trabalhadores dos aplicativos
O IBGE mostra que o trabalho mediado por aplicativos é predominantemente masculino (83,9%), com idade média entre 25 e 39 anos (47,3%) e escolaridade intermediária, 59,3% têm ensino médio completo ou superior incompleto. Apenas 16,6% possuem ensino superior completo, e 9,3% têm apenas o fundamental incompleto.
A cor e raça dos trabalhadores refletem as desigualdades estruturais: 12,7% se declaram pretos e 41,1% pardos, contra 45,1% de brancos. Entre os plataformizados com ensino superior, o rendimento médio mensal foi de R$ 4.263, enquanto entre os que têm até o fundamental incompleto, a média foi de R$ 2.493.
A informalidade é generalizada: sete em cada dez trabalhadores atuam sem carteira assinada, CNPJ ou contribuição previdenciária. Nas regiões Norte e Nordeste, o cenário é ainda mais grave, com 84,9% e 87,7% de informalidade, respectivamente.
O Sudeste concentra a maior parte desses profissionais, 888 mil pessoas, mais da metade do total nacional. Já o Centro-Oeste e o Norte registraram as maiores altas proporcionais entre 2022 e 2024, com crescimento de 58,8% e 56%, respectivamente.
Outro dado relevante é o baixo nível de autonomia dos trabalhadores. Entre os que atuam em aplicativos de transporte de passageiros, 91,2% afirmaram que o valor recebido é definido pela plataforma. No caso dos entregadores, esse índice chega a 81,3%. A maioria também não controla o fluxo de clientes nem os prazos de execução das entregas, mostrando dependência operacional das empresas de tecnologia.