Segundo relatório divulgado pela Comissão de Disparidades Étnicas e Raça (CRE), na última quarta-feira (31) o Reino Unido se considera um país modelo para as relações raciais onde “não há racismo institucional”. O documento foi preparado a pedido do próprio governo britânico, após os protestos globais contra o racismo, na esteira do movimento “Vida Negras Importam”, mas a conclusão do estudo provocou críticas na sociedade britânica.
Segundo o estudo, a pauta racial no Reino Unido, embora ainda imperfeita, teve avanços significativos nos últimos anos. O documento, de 258 páginas, cita entre os exemplos a educação, com crianças de diferentes origens étnicas obtendo resultados iguais ou melhores aos dos alunos brancos, com exceção da comunidade dos imigrantes negros do Caribe, que têm notas mais baixas do que a média.
O documento foi recebido com muita descrença e críticas por organizações de defesa dos direitos civis e parlamentares de oposição. Vale lembrar que em 2020, em meio as manifestações ‘Vidas Negras Importam’, a estátua de um mercador de escravos, Edward Colston, em Bristol, foi arrancada e jogada no rio. Foi justamente em resposta a este episódio que a CRE foi criada, é atua como uma resposta do governo Boris Johnson às inúmeras manifestações do movimento Black Lives Matter no país, desencadeadas após o assassinato de George Floyd nos Estados Unidos. Inflamados pelo movimento global, os britânicos passaram a cobrar do governo conservador novas políticas de combate ao racismo. Depois disso, foram adotadas medidas que dificultam a remoção de monumentos.
Os pesquisadores não consideram a questão racial como a origem das desigualdades no Reino Unido. Fatores como aspectos geográficos, influência familiar, histórico sócio-econômico, cultura e religião, segundo os pesquisadores, influenciam mais a sociedade britânica do que a pauta racial.
Ao final, foram feitas 24 recomendações às autoridades, incluindo medidas para aumentar o grau de confiança entre a polícia e minorias, ampliar a jornada escolar em áreas de baixa renda e agir de forma incisiva contra o discurso de ódio em redes sociais.
“A totalidade do governo segue comprometida em construir um Reino Unido mais justo e a tomar ações necessárias para enfrentar as disparidades onde quer que existam”, declarou o premier Boris Johnson, em comunicado à imprensa. Já o presidente da comissão responsável pelo estudo, Tony Sewell, britânico de origem jamaicana, reconheceu que a discriminação ainda existe no Reino Unido, mas declarou não ter encontrado evidências de que haja um racismo estrutural no país.
Críticas ao documento
“É correto reconhecer que foram feitos progressos e expressar satisfação com isso, mas não deve significar que não olhemos para os problemas reais “, declarou a deputada Lisa Nancy, do Partido Trabalhista, à Sky News.
Para ativistas, outros dados, como a disparidade de renda entre brancos e integrantes de minorias, além das questões de gênero, deveriam ter maior peso na hora das conclusões.
“Diga isso [que não há racismo estrutural no Reino Unido] a uma jovem mãe negra que tem quatro vezes mais chances de morrer ao dar a luz do que sua jovem vizinha branca, diga isso a 60% dos médicos e enfermeiras que morreram por causa da Covid-19 e que vinham de minorias étnicas” declarou à AFP Halima Begum diretora do Runnymede Trust, grupo dedicado a estudar a desigualdade racial no país.
Na mesma linha, o sindicato que representa 631 mil trabalhadores britânicos, o GMB, incluindo no Serviço Nacional de Saúde, declarou que o relatório é uma forma de abuso psicológico contra pessoas negras, asiáticas e de outras minorias étnicas.
O relatório foi divulgado há cerca de um mês da polêmica entrevista de Merghan Markel ao programa de Oprah Winfrey, na Califórinia, em que ela descreve o racismo dentro do Palácio de Buckingham.“No Reino Unido há um enorme silêncio em torno da raça que, na verdade, não existe nos Estados Unidos”, afirmou, na ocasião, Priyamvada Gopal, professor de estudos pós-coloniais na Universidade de Cambridge.