Ana Carolina Dartora (PT), vereadora eleita em Curitiba, Talíria Petrone (PSOL-RJ) deputada federal e Duda Salabert (PDT), primeira vereadora trans de Belo Horizonte, são alguns dos mais recentes casos de mulheres na política que estão sofrendo ameaças de morte. Nesta quinta-feira (10), Dia Internacional dos Direitos Humanos e dois dias após o assassinato da vereadora Marielle Franco completar mil dias sem respostas, o Instituto Marielle Franco, com apoio da Terra de Direitos e Justiça Global, lança a versão completa da pesquisa ‘A Violência Política Contra Mulheres Negras’. A pesquisa busca analisar o cenário da violência política eleitoral contra mulheres negras em 2020, todas comprometidas com a Agenda Marielle Franco, mostrando a vulnerabilidade dessas mulheres e exigindo proteção, para que elas possam cumprir seu mandato em segurança.
“A pesquisa realizada pelo Instituto Marielle Franco tenta retratar o impacto que a violência política tem sob os corpos de mulheres negras candidatas nas eleições de 2020. É importante ressaltar que historicamente, as mulheres negras que se colocam à disposição para concorrer ao pleito institucional têm sido recebidas por violências e opressões estruturais de raça, gênero e classe. Em nosso estudo, identificamos que quase 8 a cada 10 mulheres candidatas comprometidas com a Agenda Marielle Franco, que responderam essa pesquisa, apontaram que já sofreram algum tipo de violência virtual. Por outro lado, do total de mulheres que sofreram violência política nestas eleições, apenas 32% efetuou denúncia. Esperamos que esta pesquisa ajude a visibilizar esse cenário no país e impulsione as autoridades públicas a pensar em medidas efetivas e imediatas de combate a essa violência que afeta mulheres negras das mais diferentes formas”, avalia Anielle Franco, diretora executiva do Instituto Marielle Franco.
Com o intuito de racializar a discussão de violência política no Brasil, o Instituto Marielle Franco mapeou as principais manifestações deste tipo de violência no exercício da vida política de mulheres negras que concorreram ao pleito este ano. São as mulheres negras que lideram os processos de transformação social nos mais diversos territórios do Brasil, reconhecer a importância e liderança que estes corpos têm na defesa de uma democracia plural, verdadeiramente participativa, antirracista, antimachista e LGBTIQ+fóbica é essencial.
Violência Racial
44,3% das participantes responderam ter sofrido algum tipo de violência racial. Por outro lado, praticamente todas as participantes, ao longo das várias questões da pesquisa, associaram algum tipo de violação à sua cor/raça.
No estudo, entre aquelas que relataram ter sofrido violência racial, 52,3% disse ter sofrido racismo enquanto desenvolvia alguma atividade política nas eleições, 12,7% disse ter recebido ofensas relacionadas ao seu corpo em razão de sua cor/raça/etnia, 7,9% das candidatas disse ter sofrido algum dano emocional derivado de ofensas em razão de sua cor/raça/etnia e 6,3% chegaram a receber agressões físicas relacionadas a sua cor/raça/etnia enquanto desenvolvia atividade política no período eleitoral.
Violência Virtual
Em decorrência do distanciamento social imposto pela pandemia de COVID-19, as eleições municipais de 2020 foram marcadas pela campanha em meio digital. Entre as candidatas negras participantes da pesquisa, 78,1% delas relataram ter sofrido algum tipo de violência virtual, sendo essa a violência política mais relatada.
Entre as violências virtuais sofridas, estão: ter recebido comentários e/ou mensagens machistas e/ou misóginas em suas redes sociais, por e-mail, ou outros aplicativos de mensagem (20,7%), ter recebido comentários racistas em suas redes sociais (18%), ter participado de reunião virtual que foi invadida (17,1%), ter tido a sua própria reunião virtual invadida (12,6%), ter sido vítima de ataques com conteúdos machistas durante uma live (9,9%), ter sido vítima de ataques com conteúdos racistas durante uma live (8,1%), entre outros. A dificuldade em denunciar os casos e obter justiça para os crimes ocorridos em ambiente virtual chama atenção. Uma realidade agravada pelo total despreparo do sistema de justiça para avaliar e lidar com a gravidade desses crimes durante o período eleitoral:
“Meu endereço residencial foi compartilhado em páginas bolsonaristas do Facebook e WhatsApp, mas a Justiça não entendeu que havia risco à minha integridade. Por isso, não ganhei a ação para remover a publicação do Facebook. Um desserviço que mantém a impunidade digital.” (Candidata negra a prefeita pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL).
Entre os agentes praticantes de violência virtual, 29,3% foram candidatos militantes de partidos adversários e 14,6% são indivíduos ou grupos identificados como neonazistas, racistas e grupos anti-feministas.
Violência Institucional
Entre os tipos de violências institucionais destacamos que 32,9% foi ofendida, difamada e/ou intimidada para aceitar decisões partidárias ou desistir da sua candidatura; 29,1% não recebeu nenhum recurso financeiro do seu partido político para a sua campanha; 12,6% sofreu episódios de discriminação machistas ou LGBTfóbicas em órgãos da justiça eleitoral; 6,3% sofreu racismo em órgãos de justiça eleitoral; 2,5% foi assediada sexualmente para aceitar decisões partidárias ou desistir da sua candidatura 2,5% foi ameaçada de morte para aceitar decisões partidárias ou desistir da sua candidatura.
A violência institucional não ocorre apenas nas instâncias partidárias, instituições de justiças e serviços públicos comumente reproduzem o racismo e machismo, como relatou uma participante da pesquisa ao narrar seu processo de abertura de conta bancária para a eleição:
“Fui extremamente mal tratada por trabalhadoras bancárias quando necessitei abrir as contas da campanha junto ao Banco do Brasil, necessitando ir com meu esposo (homem branco cis) para que fosse vista, foi um racismo imenso.” (Candidata negra a vereadora pelo Partido Comunista do Brasil – PCdoB)
Denúncias
Com relação às denúncias realizadas, apenas 32,6% das participantes de nossa pesquisa afirmaram ter denunciado algum dos casos de violência que sofreu. Entre o total das participantes que responderam a pergunta sobre denúncia, 29% afirmou não ter denunciado por não querer, enquanto 17% sinalizaram não se sentirem seguras ou sentir medo de denunciar a violência que sofreu e 6,8% das participantes indicaram não ter denunciado por não saberem onde denunciar.
A dificuldade de realizar a denúncia está presente em todas as instâncias. Uma candidata, vítima de violência racial por parte de candidatos, indivíduos e militantes de seu próprio partido, ao ser perguntada se havia denunciado algum episódio respondeu que não havia feito, pois teve medo ou não se sentiu segura para fazer a denúncia, e ainda completou seu relato dizendo que “Sim [tive dificuldade para fazer a denúncia]. Tenho medo de retaliações partidárias.” (Candidata negra a vereadora pelo Partido dos Trabalhadores – PT).
71% das participantes relataram não ter contado com nenhuma formação ou mesmo apoio para entender que medidas de proteção poderiam ajudar a enfrentar ou superar as situações de violência pelas quais passaram.
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