Pesquisa da UFBA descobre cemitério em Salvador com estimativa de mais de 100 mil escravizados

A pesquisa integra o projeto “Reconstruindo memórias: por uma cidade antirracista”, que busca reconstituir dados da população baiana.

Uma pesquisa divulgada pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) anunciou a localização de um possível cemitério de pessoas escravizadas em Salvador, que teria funcionado entre os séculos XVIII e XIX. As escavações arqueológicas começaram nesta quarta-feira (14), e que podem revelar restos mortais de até 100 mil indivíduos, configurando-se como o maior cemitério de escravizados da América Latina.

A data de início das escavações faz referência a execução de mártires da Revolta dos Malês, que aconteceu há 190 anos. O ato para marcar o começo das escavações contou com um ato interreligioso com a presença de lideranças de matrizes africanas, representantes de diferentes confissões religiosas, pesquisadores, autoridades e membros da sociedade civil. 

O local do cemitério, situado na capital baiana, foi identificado por meio de pesquisas históricas e análises de documentos antigos feitos pela doutoranda Silvana Olivieri do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFBA. A descoberta é considerada um marco no resgate da memória da população negra no Brasil, frequentemente negligenciada nos registros oficiais.

A pesquisa integra o projeto “Reconstruindo memórias: por uma cidade antirracista”, que busca reconstituir dados da população baiana./ Foto: Silvana Olivieri

A promotora do Ministério Público da Bahia, Cristina Seixas, destacou que as escavações podem confirmar a existência de um dos primeiros cemitérios públicos da cidade e do estado, além de proporcionar um resgate da memória de pessoas negras invisibilizadas pela história.

A pesquisa integra o projeto “Reconstruindo memórias: por uma cidade antirracista”, que busca reconstituir histórias ocultadas da população negra baiana. O local foi identificada no bairro da Quinta dos Lázaros, e os indícios reforçam que o terreno teria funcionado como um cemitério público destinado às pessoas escravizadas, pobres e marginalizadas da sociedade colonial e imperial.

Atualmente, há pelo menos duas frentes de pesquisa atuando na identificação de antigos cemitérios de pessoas escravizadas em Salvador. A primeira é conduzida por pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA), no âmbito do projeto “Reconstruindo Memórias: por uma cidade antirracista”, com escavações na área da Quinta dos Lázaros. A iniciativa conta com o apoio do Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) e busca reconstituir histórias apagadas da população negra, além de propor a criação de um memorial no local.

As escavações nesta frente serão coordenadas pela arqueóloga e antropóloga Jeanne Dias. Após a conclusão da etapa de prospecção arqueológica, serão realizadas novas discussões para definir os rumos da descoberta, a continuidade das pesquisas e também as medidas de reparação patrimonial, histórica e espiritual que deverão ser adotadas pelas instituições envolvidas.

Vista interna da parte frontal do Conjunto da Pupuleira /Fonte: IPAC 1983

A segunda frente está sendo liderada pela arquiteta urbanista e doutoranda Silvana Olivieri, que identificou, por meio de mapas históricos e imagens de satélite, a área da Pupileira, também em Salvador, como possível local de um cemitério ativo entre os séculos XVIII e XIX. De acordo com Olivieri, o espaço teria sido utilizado para sepultar não apenas pessoas escravizadas, mas também pobres, indigentes, suicidas e presos.

Ambos os terrenos, estão sob a administração da Santa Casa de Misericórdia da Bahia e são geograficamente próximos. Embora tratem de áreas distintas, as pesquisas dialogam entre si e fazem parte de um esforço coletivo maior de resgate da memória negra na capital baiana. Podem ser compreendidas como projetos distintos ou etapas complementares em uma mesma linha de investigação arqueológica e histórica.

Outras pesquisas que revelam o apagamento

A descoberta em Salvador se soma a outros achados que, ao longo dos anos, vêm evidenciando o processo sistemático de apagamento da memória da população negra no Brasil. Um dos casos mais emblemático é o do Cemitério dos Pretos Novos, no Rio de Janeiro. Em 1996, durante uma reforma residencial no bairro da Gamboa, ossadas foram encontradas sob o piso de uma casa, posteriormente identificadas como restos de africanos escravizados recém-chegados que morriam ainda no desembarque. Estima-se que entre 20 mil e 30 mil corpos tenham sido enterrados ali entre 1779 e 1830, sem qualquer registro digno.

Outro exemplo relevante está em São José do Barreiro (SP), onde o Cemitério dos Escravos, no Vale do Paraíba, abriga os corpos de centenas de africanos escravizados que trabalharam em fazendas de café no século XIX. Em muitos casos, esses cemitérios foram construídos em áreas afastadas e nunca devidamente registrados, o que dificulta sua preservação histórica.

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Mais recentemente, em Porto Nacional (TO), pesquisadores encontraram em 2023 o que pode ser o primeiro cemitério de escravizados reconhecido no estado do Tocantins. A descoberta foi feita por arqueólogos da Universidade Federal do Tocantins (UFT), que encontraram ossadas e utensílios datados do século XVIII.

Esses achados arqueológicos revelam não apenas a brutalidade da escravidão, mas também a política deliberada de ocultação desses espaços pós-abolição.

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Memória como ato político

Historicamente, esses cemitérios foram inicialmente geridos pela Câmara Municipal e, posteriormente, passaram à responsabilidade da Santa Casa. Em janeiro deste ano, uma reunião entre o Ministério Público, o Iphan, a Santa Casa e a pesquisadora Silvana Olivieri discutiu a criação de um termo de cooperação para viabilizar a escavação da área da Pupileira. Ainda não há confirmação oficial de que o termo tenha sido assinado, o que indica a necessidade de acompanhamento público e institucional para garantir o avanço das investigações e a preservação da memória histórica.

Cristina Seixas, reforçou que a pesquisa busca “restituir a memória da população negra invisibilizada na história oficial”. O projeto também propõe transformar o espaço em um memorial e centro de referência antirracista.

Jaice Balduino

Jaice Balduino

Jaice Balduino é jornalista e especialista em Comunicação Digital, com experiência em redação SEO, assessoria de imprensa e estratégias de conteúdo para setores como tecnologia, educação, beleza, impacto social e diversidade. Mineira e uma das mentoradas selecionada por Rachel Maia em 2021. Acredita no poder da colaboração e da inovação para transformar narrativas e impulsionar negócios com excelência

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