Por Marco Rocha*
Machismo. Que essa é a origem de grande parte dos males que afligem a vida de milhões de mulheres no Brasil e no mundo, não é uma novidade. E que, de todas as formas de opressão ao corpo feminino estão, quase na totalidade, relacionadas aos HOMENS. Parece uma constatação óbvia, e é. Mas, em tempos onde, a cada minuto, duas mulheres são estupradas no Brasil, nunca foi tão importante repetir o óbvio. E, diante disso, uma pergunta se torna urgente: Homens, o que vocês estão fazendo para
mudar essa realidade?
O número crescente de mulheres vítimas de violência doméstica e feminicídio no Brasil, escancaram uma vergonhosa realidade para os homens. A de uma covardia normalizada disfarçada de masculinidade socialmente aceita. Esse é o pano de fundo que estrutura a base de uma sociedade patriarcal, misógina e machista, onde homens possuem passe livre para o cometimento de inúmeros abusos contra o corpo feminino. Comportamento que vem ganhando força em alguns grupos da sociedade. Mas, infelizmente, esses hábitos não são exclusivos do nosso tempo.
Quando pensamos na noção de propriedade privada, a partir do início do capitalismo, qual seria a primeira grande propriedade a ser adquirida pelo homem? A mulher. A partir daí, o patriarcado vai criando bases mais sólidas ao exercer a propriedade, a dominação e a autoridade sobre o corpo feminino, relegando a mulher ao posto de cuidadora e matriz para geração de filhos, que serão os responsáveis pela manutenção dos meios de produção de riqueza e a manutenção da marca registrada, ops, do sobrenome da família, no caso dos homens. No caso das mulheres, o retorno financeiro ao genitor com o recebimento de dotes em dinheiro, em função dos acordos de posse firmados entre famílias que convencionamos chamar de casamento.
A noção de propriedade perdura até hoje, o que possibilita aos homens, determinar o que mulheres devem ou não fazer, como podem se comportar ou não. O que inclui a forma como se vestem, os amigos com quem convivem ou se devem ou não trabalhar. Por vezes, esse controle é velado, por vezes é mantido através de comportamentos violentos, criando um cenário propício para a aplicação do que hoje conhecemos como gaslighting, manterrupting, mansplaining. Atitudes que, em bom português, significam a anulação das potencialidades femininas, como se elas não pudessem pensar, falar e agir a partir dos seus próprios desejos e vontades.
Essas artimanhas do machismo estrutural que estão consolidadas numa sociedade patriarcal, continuam agindo para que homens tentem, a todo custo, controlar e subjugar mulheres. E, quando a manipulação não é suficiente, costumam utilizar a agressão para fazer valer os seus interesses, provocando abusos que hoje podem ser nominados como violências física, verbal, patrimonial e sexual. Transformando a vida
de muitas mulheres em pesadelos que podem durar muitos anos ou interromper precocemente a vida de muitas mulheres.
Segundo de um estudo elaborado pelo IPEA (Instituto de pesquisas aplicadas) em 2023, anualmente 822 mil mulheres são vítimas de estupro, especialmente na faixa etária de 13-14 anos e que 3 em cada 10 mulheres sofre ou já sofreram violência doméstica. Esse estudo também aponta que apenas 8,5% dos crimes contra a mulher são registrados pela polícia. Diante de dados tão aterradores, apenas uma conclusão é possível: homens odeiam mulheres. Dessa forma, fica mais fácil entender o porquê mulheres foram queimadas pela inquisição no que hoje certamente seria classificado como crime de ódio. Mulheres precisam ser protegidas no transporte público, utilizando vagões exclusivos para elas. E, de quem elas precisam se proteger? Até um homem consegue responder.
Desde 2017, o número de feminicídios cresceu assustadoramente no Brasil. Muito impulsionado por um governo bélico e assumidamente misógino, por uma pandemia que obrigou mulheres a se manterem confinadas com seus agressores e por uma omissão das forças de segurança pública que, em inúmeros casos, não foram capazes de salvar a vida dessas mulheres. Enquanto a impunidade nada de braçada,
mulheres seguem sendo assediadas em elevadores, em buzinadas e piadinhas enquanto caminham pelas ruas, nas academias, em seus locais de trabalho ou dentro de suas casas. Num país onde homens ainda matam em defesa de sua honra, não há lugar seguro para mulheres.
Os casos de Daniel Alves e Robinho, dois estupradores, revelam muito sobre quem somos como povo, quais são os nossos limites étimos e morais e, sobretudo, como somos coniventes enquanto sociedade, com os abusos cotidianos sofridos por tantas mulheres nesse país. E isso pode ser constatado com muita facilidade uma vez que a vocalização da indignação e medo foi majoritariamente feminina, enquanto o silêncio ensurdecedor dos homens berrava em nossos ouvidos que o mundo masculino não quer
perder o seu lugar de privilégio, de dominação, de propriedade e do direito assegurado pelo patriarcado sobre os corpos das mulheres e sobre o seu direito de se manterem vivas.
E você, homem? O que você vai fazer diante disso? Fingir que não vê? Culpar as mulheres pelos abusos que vocês as submetem? Ou vai, finalmente, abandonar o seu lugar de masculinidade frágil, covarde, omissa e cumplice que é responsável pelo sangue derramado de tantas mulheres ano após ano nesse país?
*Marco Rocha é biólogo, professor, palestrante, comunicador e pesquisador com mestrado em Biologia celular (Fiocruz), Doutorado em Biotecnologia Vegetal (UFRJ e University of Ottawa/Canadá), com Pós-doutorado em Plantas medicinais com atividade antiviral (Fiocruz), com dezenas de artigos e capítulos de livros publicados em literatura científica. Professor universitário a mais de vinte anos, atuando nos cursos da área de saúde das universidades públicas (UFF e UFRJ) e nas principais universidades privadas do Rio de Janeiro. Marco Rocha também é ator, escritor, comunicador e administra as mídias sociais @aquipensando01 onde promove divulgação científica, reflexões sobre o cotidiano, discussões sobre etarismo e ativismo antirracista. Autor dos livros @aquipensando01 – coleção instapoetas e co-autor do livro Pretagonismos.