“Os grupos vulneráveis sofrerão mais com o atual governo pois possuem baixa representatividade” diz cientista político

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Dos 22 ministros escalados pelo presidente Jair Bolsonaro, nenhum deles é negro, apenas duas mulheres e seis militares. Sem diversidade e representatividade no primeiro escalão, a política do novo presidente atinge diretamente os mais vulneráveis. O novo governo aposta em bases ruralistas, religiosas e conservadoras, além de excluir secretarias que são essenciais para a garantia da diversidade e dos direitos dos negros, mulheres, LGBTs e indígenas. Ao assumir o cargo, o militar, que 27 anos foi deputado federal e teve apenas dois projetos de Lei aprovados, retirou da política de Direitos Humanos todas as ações destinadas à garantia de direitos dos LGBTs. Bolsonaro também extinguiu do Ministério da Educação a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão e criou a “pasta de alfabetização”.

Guilherme Dias Cientista Político Bolsonaro

Guilherme Dias – Mestre em Ciência Política e Doutor em Estudos Estratégicos

“São bases que convergem no conservadorismo de costumes, muitas vezes usados de modo exagerado com o objetivo de esconder pautas mais lesivas a maioria da sociedade. Quando falamos em grupos vulneráveis, eles normalmente são a linha de frente e vão sofrer mais pois, possuem baixa representatividade, são muitas vezes criminalizados a partir da difusão de calúnias que acabam se consolidando no imaginário de parte da população, contrariam interesses ligados diretamente a quem hoje detém o poder político. Tudo isso alimenta esse processo de esvaziamento e desqualificação dos mecanismos protetivos dos grupos vulneráveis”, explica o Mestre em Ciência Política pela UFF e doutor em Estudos Estratégicos pela UFRGS, Guilherme Dias.

Quando decide mudar as bases da educação pública nacional, o novo presidente atinge diretamente os negros que não possuem as mesmas oportunidades que os brancos, segundo dados educacionais organizados pelo movimento Todos pela Educação. A taxa de analfabetismo é 11,2% entre os pretos; 11,1% entre os pardos; e, 5% entre os brancos. Dos 15 aos 17 anos, 70,7% dos adolescentes brancos estão no ensino médio, etapa adequada à idade, entre os pretos esse índice cai para 55,5% e entre os pardos, 55,3%. No terceiro ano do ensino médio, no final da educação básica, a diferença aumenta: 38% dos brancos; 21% dos pardos; e, 20,3% dos pretos têm o aprendizado adequado em português. Em matemática, 15,1% dos brancos; 5,8% dos pardos e 4,3% dos pretos têm o aprendizado adequado.

Ao divulgar falsas informações sobre a educação, como o ‘Kit Gay’, por exemplo, Bolsonaro alimenta a máquina de ignorância em relação a educação pública, o que prejudica, mais uma vez, os grupos mais vulneráveis: “Esse primeiro movimento no ministério da educação reflete o debate sobre doutrinação que foi tão intenso no período eleitoral e que ainda move paixões de apoiadores e opositores. É uma ação em nome do enfrentamento a uma suposta prática de doutrinação. Reflete o descolamento que a sociedade brasileira possui em relação a educação. Ela sabe que a educação no Brasil é ruim, mas não quer se envolver com isso. Então se aparece alguém e diz que o problema das escolas é a distribuição de um kit gay, grande parte acredita e direciona as demandas na área da educação para esse tema. Isso se converte em votos e alimenta a máquina de ignorância em relação a educação pública. E assim seguimos longe de tocar nos problemas reais que alunos e professores possuem”, explica Guilherme Dias.

Como as populações mais vulneráveis são as que utilizam o ensino público, são seus filhos que terão uma educação cada vez menos reflexiva, mais enviesada, o que interessa para alguns setores conservadores que não toleram o contraditório, a divergência, o debate democrático”

Outro projeto educacional de Bolsonaro que pode atingir diretamente os estudantes da rede pública é o “Escola sem Partido”, um movimento diz se preocupar “com o grau de contaminação político-ideológica das escolas brasileiras: “Esse é um projeto que reflete o descaso da sociedade brasileira com a educação, especialmente a educação pública. O desconhecimento sobre as condições de trabalho dos professores, sobre os poucos e desatualizados recursos disponíveis para os alunos, sobre a precariedade das estruturas físicas das escolas. Esse processo de ataque ao ensino público não é novo e se intensificou nos últimos anos com agendas como a do Escola Sem Partido. Como as populações mais vulneráveis são as que utilizam o ensino público, são seus filhos que terão uma educação cada vez menos reflexiva, mais enviesada, o que interessa para alguns setores conservadores que não toleram o contraditório, a divergência, o debate democrático”, explica o cientista político.

Guilherme Dias acredita que ainda é cedo para saber quais as consequências do Governo Bolsonaro com a extinção de políticas públicas fundamentais para os mais necessitados: “Em relação à economia, não me parece que o impacto é significativo com os cortes que foram feitos. Ainda é cedo para medir em termos de impactos advindos das políticas públicas, mas por exemplo a eliminação de ministérios, a integração de secretarias, sem um corte em termos de cargos isso praticamente não tem impacto em termos de redução de gastos. E os recursos que eram destinados a políticas mais especificamente vinculadas a esses grupos era ínfimo no bojo do orçamento da União. O que sinaliza é uma redução em termos de prioridades, de forma de ver esses grupos”.

Futuro dos partidos de esquerda

Para Guilherme Dias as atitudes tomadas por Bolsonaro em sua primeira semana de governo como, por exemplo, a transferência da demarcação de terras indígenas e quilombolas para o Ministério da Agricultura, não são uma surpresa: “As ações adotadas nesse início de governo não surpreendem no sentido de serem novidades pois, foram apresentadas durante o processo eleitoral e a maioria da população votou nesse projeto. Talvez tenha havido uma falha na forma de comunicar para a população as agendas desses grupos, as agendas progressistas foram sendo vinculadas a piora das condições de vida da população, a corrupção, a destruição dos valores familiares, a um pretenso socialismo que teria vigorado no Brasil durante os governos de FHC (!), Lula e Dilma. Nós temos uma sociedade que questiona Direitos Humanos, isso não é à toa, é produto de uma construção narrativa que se mostrou consolidada nesse processo eleitoral e que segue se sofisticando. Se isso não for compreendido e se não forem compreendidas as demandas da população, não é possível pensar em mobilização significativa, em manifestações que pressionem o governo a rever suas posições”.

Em relação a organização política atual, Guilherme Dias diz que temos uma divisão no campo da esquerda: “De um lado temos PSOL e PT com uma postura mais combativa e o bloco PDT-PSB-PCdoB com uma postura mais pragmática, mas ainda assim se opondo ao novo governo. Antes de Bolsonaro há uma disputa pela hegemonia no campo da esquerda que ameaça uma atuação mais integrada desses partidos. Por muito tempo o PT liderou esse grupo, mas hoje, com diversas lideranças presas e a contestação de um certo hegemonismo petista, a disputa pelo comando está colocada e tende a ser uma questão difícil de se resolver. Não acredito que os partidos de esquerda votem contra as suas convicções por causa dessa disputa, mas seguirá sendo difícil a formação de uma frente de oposição que atue em outras arenas além do Congresso. Em relação a Bolsonaro, esses partidos foram oposição até 2002 e ainda carregam a memória de serem minoria, da necessidade de usarem as minúcias dos regimentos do parlamento, o judiciário e alguns espaços na mídia para contestarem pautas do novo governo. Além disso, a oposição precisa compreender que há um campo novo de disputas e que a questão das narrativas é central para os processos eleitorais municipais de 2020 e gerais de 2022. Hoje os setores de extrema direita dominam esse campo e não serão derrotados se o centro-esquerda e a esquerda seguirem com práticas do século passado”.

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