“Um país soberano controla seu território e tem forças para defendê-lo”: especialista analisa independência de países da África

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Em entrevista ao Notícia Preta, Eden Pereira, doutorando em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre África, analisou profundamente os processos de independência no continente. No Dia da África, comemorado neste domingo (25), ele destacou as diferenças entre as descolonizações francesa e portuguesa e os atuais desafios no Sahel.

“A conclusão da independência da maior parte das colônias francesas na década de 60 foi consequência de um aprofundamento da luta anticolonial”, explicou o especialista, destacando que este foi o auge da luta anticolonial no pós-Segunda Guerra.

No Dia da África, 25 de maio, ele destacou as diferenças entre as descolonizações francesa e portuguesa e os atuais desafios no Sahel – Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

Década de 1960: O auge das independências francesas

Durante a década de 1960 houve independência de 17 países na África e 15 deles eram colônias da França. Existiam diferentes projetos de independência: por via armada, como na Argélia, e o modelo negociado, detalhou Pereira falando sobre o período. “Na Argélia houve uma guerra sangrenta que durou anos e impactou toda a relação da França com suas colônias, enquanto no Sahel as independências foram negociadas após a crise do governo francês em 1958”.

O pesquisador ressaltou que “esses processos de independência nas ex-colônias francesas tiveram lutas violentas, com intervenção de mercenários que derrubaram governos nacionalistas e estabeleceram ditaduras militares”. Ele destacou ainda que “cada colônia teve processos diferentes, alguns mais orientados por ideias marxistas, outros próximos ao liberalismo estadunidense”.

Anos 1970: O caso português e seu regime fascista

“Portugal era uma ditadura fascista desde os anos 1920 que não cedia direitos às suas colônias”, contrastou Pereira se referindo ao salazarismo, o fascismo português. “Enquanto França e Grã-Bretanha negociavam autonomia, Portugal mantinha controle absoluto através de seus órgãos de repressão”.

“Nas colônias portuguesas, a luta armada tornou-se a única opção porque as elites locais estavam completamente ligadas ao projeto fascista português”, explicou. “O resultado foram guerras sangrentíssimas, como em Angola onde tivemos três movimentos rivais (MPLA, FNLA e UNITA) financiados por potências estrangeiras”. Eram eles o Movimento Popular de Libertação de Angola, Frente Nacional de Libertação de Angola e União Nacional para a Independência Total de Angola.

A Revolução dos Cravos e seu impacto

Foi somente quando Moçambique e Angola estavam prestes a conquistar independência que ocorreu a Revolução dos Cravos em 1974, segundo ele. Soldados portugueses se recusaram a continuar combatendo e derrubaram o regime fascista, mostrando como a guerra colonial tornou-se insustentável.

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O pesquisador destacou que “mesmo após independências, países como Angola e Moçambique enfrentaram guerras civis alimentadas por interferência estrangeira, com a RENAMO em Moçambique e a UNITA em Angola sendo apoiadas por potências ocidentais”.

Atualidade no Sahel: Novas lutas por soberania

Analisando Burkina Faso, Mali e Níger, Pereira vê paralelos históricos: “Os processos atuais no Sahel lembram o movimento de independência dos anos 1960, com demandas similares sobre o controle territorial e rejeição à presença militar estrangeira”. Citou o presidente burquinês: “Um país soberano detém seu território e tem forças para defendê-lo”.

Sobre as transformações recentes, observou que assim como nos anos 1960, há uma diversificação de parcerias, com países do Sahel buscando novos aliados como Rússia e China para reduzir dependência histórica da França.

Desafios econômicos e potencialidades

Sobre as perspectivas econômicas, o pesquisador foi enfático: “Esses países têm potencial, principalmente por sua população jovem, mas precisam desenvolver tecnologia agrícola e minerária para superar a dependência”. Ele destacou que a média de idade de 20-30 anos representa tanto um desafio quanto uma oportunidade única.

Para ele, o crescimento depende de inclusão social e participação política e a verdadeira independência exige não apenas controle territorial, mas também desenvolvimento de forças produtivas locais e redução da dependência de commodities.

Cultura como resistência e construção identitária

Pereira também destacou a dimensão cultural: O resgate de narrativas históricas e valorização de línguas locais é fundamental para consolidar identidades nacionais autênticas após séculos de dominação cultural europeia.

Thayan Mina

Thayan Mina

Thayan Mina, graduando em jornalismo pela UERJ, é músico e sambista.

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