“Um país que não está no retrato”: do mito do descobrimento do Brasil a um novo marco fundatório

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O Notícia Preta entrevistou historiadores numa série de 5 reportagens para saber sobre o processo de formação histórica do Brasil e essa é a última matéria sobre o tema e os historiadores ouvidos pela reportagem questionam se um novo marco fundatório diferente do mito do “descobrimento” do país seria necessário.

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Doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Romulo Barros, Pensa um novo marco fundacional talvez fosse pouco factível historicamente falando. Ele afirma que a narrativa histórica deve ser baseada em vestígios do passado e não pode se abster deles.

Desfile da escola de samba Estação Primeira de Mangueira no Rio de Janeiro no Carnaval 2019. Foto – Alexandre Brum/ Agência Enquadrar

“O nosso marco zero foi de violência, de escravidão dos povos africanos, de genocídio dos povos indígenas, de devastação sistemática de todos os biomas do nosso território desde o início e até hoje. Não se deve esquecer um passado de atrocidades, de injustiças, em nome de uma tentativa de revisão ou pior, de revisionismo, sob a pena de cairmos no esquecimento e na repetição daquilo que já passamos. Dizia a famosa frase do movimento Tortura Nunca Mais, alusivo aos crimes perpetrados pelo estado brasileiro durante a ditadura militar-civil, ‘para que não se esqueça para que nunca mais aconteça'”, diz o doutor.

Mas Romulo entende que há uma lacuna a ser preenchida por estudos acerca destas populações silenciadas por anos e anos que podem dar uma ideia muito distinta da que se tem sobre a própria trajetória do Brasil.

Para ele, mais do que criar um novo marco fundador, um novo início, seria preciso voltar-se ao caminho percorrido após a “fundação”; entender os seus apagamentos, reviver testemunhos que foram soterrados sobre fatos dos quais já se sabe e só assim, quem sabe, fazer uma historiografia que não sirva mais a uma elite colonial ou colonialista, mas às pessoas comuns.

“Em tempo, é preciso destacar a ‘ação de formigueiro’, dos indivíduos que teimosamente reivindicam essas memórias, que falam sobre as trajetórias de seus antepassados, muitos sem nome, quem dirá sobrenome. São professores, estudantes, artistas, agitadores culturais. Pessoalmente, busco este movimento diário em meu fazer tanto docente, quanto artístico”, explica Rômulo.

Seja convidando os alunos a conhecerem as trajetórias dos abolicionistas negros antes da princesa Isabel, ou construindo meus próprios monumentos na série escultórica que batizei de Sentinelas das Memórias Esquecidas, que conformam uma série das minhas próprias efígies quanto sujeito negro, periférico, nordestino, latino, entre outras possíveis identidades que atravessem a mim e às pessoas de origem não-hegemônica”, acrescenta à sua explicação.

Professor de história e filosofia formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Jonathan Raymundo acredita que os brasileiros precisam de um novo marco para refundar o país.

“Esse é o nosso dever histórico se quisemos ser uma nação autônoma de fato. Não há como progredirmos sem considerar a totalidade da sociedade brasileira. Não considerar no censo,somente, mas se apropriar dos modelos civilizatórios da diáspora africana e dos povos indígenas na construção de soluções para os desafios que temos hoje no mundo. Esses modos de vida, de estar, de pensar e sentir precisam compor o ordenamento social brasileiro”, diz Jonathan.

Lívia Teodoro, formada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a historiadora entende que o Brasil precisa de um novo marco fundatório que considere as demandas das minorias historicamente negligenciadas.

Ela explica que o mito do descobrimento e a glorificação de figuras como Tiradentes, apesar de sua importância histórica, perpetuam uma narrativa que marginaliza as contribuições e as lutas dessas minorias. Livia tem como horizonte um novo marco fundatório construído com base em valores de justiça social, inclusão e reconhecimento da diversidade cultural e étnica do país.

Isso exigiria uma revisão crítica da história nacional, reconhecendo a voz e espaço para as perspectivas e experiências das comunidades indígenas, afrodescendentes, LGBTQ+, entre outras minorias.

“Um novo marco fundatório que celebre a diversidade, cite nomes como Maria Felipa de Oliveira, Tereza de Benguela, Luiz Gama, Alforriado Matias e tantos outros homens e mulheres pretas que não são celebrados e rememorados pela história nacional. Por fim, precisamos popularizar um marco fundatório que promova a igualdade de oportunidades, considero que isso é um passo importante na construção de uma sociedade mais justa e inclusiva no Brasil”, explica ela.

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Thayan Mina

Thayan Mina

Thayan Mina, graduando em jornalismo pela UERJ, é músico e sambista.

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