Eu acredito que pessoas brancas podem ser antirracistas e elas podem ajudar a criar rupturas na Gastronomia no que diz respeito ao racismo. Eu sei que essa minha frase inicial pode gerar muito desconforto em pessoas pretas e pardas (como eu) que sofreram e sofrem preconceito em um país racista. Todavia, existem pessoas que não sendo pretas genuinamente querem colaborar com um ambiente na Gastronomia que quebre com os padrões do racismo. A desigualdade social existe e tem recortes que acentuam este contexto: a mulher preta da favela é um desses recortes que exemplificam essa interseccionalidade. Por isso, ações como a do Hilton Copacabana merecem destaque quando falamos em cursos profissionalizantes gratuitos para mulheres pretas da favela.
Eu bato na tecla que é possível a gente ter aliados não pretos porque esse argumento faz parte da minha história na luta pela empregabilidade de pessoas trans. Eu, um homem cisgenero, trabalhei durante 4 anos no TransGarçonnne – um projeto da UFRJ que capacita pessoas trans, travestis e não-bináries para o mercado de trabalho em Gastronomia. E, quem me acompanhou de perto nestes 4 anos, sabe o quanto eu fui apaixonado por esse projeto. Fui indagado muitas vezes na posição de um homem cisgenero a frente de um trabalho para a população trans. Isso me trouxe dores por algumas vezes, mas não me desanimou. Então, é neste contexto da minha história profissional, que acredito que você não sendo parte de uma minoria pode lutar para ajudar a construir rupturas.
Acredito que com aliadas e aliados o nosso exército se torna maior e nossa voz é amplificada. Eu não preciso ser mulher para entender que o machismo existe e dói nelas. Sei que o machismo existe de maneira velada ou evidente (em alguns casos) na gastronomia – mas nós homens podemos fazer nossa parte. Por isso, o tema do Prêmio Gastronomia Preta em 2023 é “Mulheres Pretas”. Quero evidenciar quão potentes são essas mulheres que fazem a gastronomia acontecer em diferentes partes deste país.
Nessa semana fui tomar café da manhã com meu amigo Lucas Corazza no Hilton Copacabana. Como Lucas é reconhecido pelos programas Que Seja Doce e Quanto Vale Essa Doce (GNT) e tem respeito de muitos chefs no país em função de sua trajetória profissional, o chef Pablo Ferreyra (Hilton Copacabana) parou suas atividades no hotel e nos deu a honra de ter sua companhia naquele café da manhã. Entre conversas técnicas dos chefs e suas experiências, o chef Pablo nos informou que naquele momento estava ocorrendo uma turma de capacitação para confeiteiras de duas comunidades próximas ao hotel: Chapéu Mangueira e Babilônia. Automaticamente, pedimos para visitar aquela turma. Quando chegamos no local da aula prática, foi pura emoção.
Quem estava dando aula era o chef confeiteiro Vinicius Santos – um homem preto que hoje é o braço direito do chef Pablo na confeitaria e que começou na rede Hilton como steward – profissional que ajuda na limpeza e organização dos utensílios de cozinha. É tão bom a gente se ver no nosso povo em posição de destaque. E com ele na cozinha existiam 8 mulheres pretas e pardas fazendo aquele curso gratuito. Foi pura emoção aquele encontro. O tema da aula era temperagem de chocolate e aquelas mulheres guerreiras e confeiteiras se emocionaram com a visita ilustre de um chef confeiteiro tão renomado. O próprio chef confeiteiro Vinícius também não acreditava naquela visita surpresa que não tinha sido programada por ninguém.
O que me fez contar essa história aqui é o que me move na gastronomia: a importância de pensar a implementação de práticas relacionadas à responsabilidade social. Todo semestre eu discuto teoricamente com meus alunos de Gastronomia na UFRJ a importância da implementação deste conceito no dia a dia das empresas no setor de Alimentos & Bebidas. Chegar na cozinha profissional Hilton Copacabana e ver aquele curso acontecendo me alegrou de uma maneira tão intensa.
Eram mulheres pretas da favela entrando numa cozinha profissional e aperfeiçoando seus conhecimentos em confeitaria – foi na Rede Hilton nos Estados Unidos que o brownie foi criado e se espalhou pelo mundo (essa cozinha tem história também na confeitaria mundial). Essas trocas teóricas e práticas com o chef confeiteiro Vinícius Santos podem trazer grandes aprendizados que repercutem possivelmente na qualidade dos novos produtos vendidos por aquelas mulheres confeiteiras empreendedoras. Saí do Hilton Copacabana com a sensação de que tinha que chegar em casa, abrir o computador e escrever sobre essa experiência no Notícia Preta. Foi aquela sensação de “sim, a gente pode ter aliados e fazer esse pretagonismo aumentar!”.
Então, vamos juntes nessa corrente de ter mais aliadas e aliados conosco na luta pela importância do evidenciamento do povo preto na gastronomia. É uma luta nossa.
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