Jovens periféricas enfrentam desafios para cuidar da saúde mental

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O acompanhamento psicológico é uma necessidade para cuidar da saúde mental, principalmente para quem mora em periferias

Reportagem produzida pelo coletivo periférico Entre Becos, de Salvador, e replicada com autorização dos autores.

A procura por terapias e profissionais que ajudem a manter a saúde mental em dia, com baixo custo, tem se tornado uma prioridade para jovens periféricas da capital baiana. A estudante de letras Alana Barbosa, 28, conta que trocou o ombro de amigos íntimos por apoio profissional quando sua saúde física ligou o alerta.

“Entendi que precisava de terapia, quando meu esgotamento emocional estava causando gastrite, dores na coluna e dor de cabeça. Sabia que a fonte dos meus problemas físicos era emocional e se quisesse me sentir melhor fisicamente, deveria intervir na raiz do problema: minha saúde mental e emocional”, afirma.

Diva Anatalia e Alana Barbosa falam sobre a importância da psicoterapia – Bruna Rocha/ Entre Becos 2023

A estudante, moradora do bairro Cosme de Farias, destaca que as dificuldades financeiras e os valores da manutenção do tratamento são obstáculos para jovens das periferias. “Fazer terapia ainda não é algo que qualquer pessoa pode fazer. Ter acompanhamento da saúde emocional tem tudo a ver com dinheiro. Se você pode ou não pagar, ainda que o valor seja social”.

“Para um jovem de periferia, cuja bolsa/salário não paga as despesas essenciais, é complicado iniciar a psicoterapia.”

Alana lembra que contou com suporte financeiro no início do tratamento. “Quando iniciei, em 2018, no auge de um Burnout e muito estresse, eu tive uma amiga que pagou algumas sessões para mim, porque, com a bolsa que eu recebia na faculdade, não conseguia bancar mais essa despesa”, desabafa.

Assim como Alana, a gestora de projetos Ariadne Ramos, 28, moradora do bairro São Caetano, também enxergava nos custos um problema para procurar um acompanhamento profissional. “Não pensava que era desimportante, porém tinha preconceito por sentir que era uma prática distante de pessoas com a minha realidade social e econômica. Além disso, não achava que era para mim, que à época não lidava bem com a minha própria forma de comunicação”.

Ariadne procurou então a indicação de um amigo psicólogo que conhecia instituições e profissionais negros que trabalham com valor social. “Valor social é um valor simbólico geralmente não padronizado. Ele é cobrado por profissionais de diversas áreas, com o intuito de conseguir atingir pessoas que não podem investir com o valor integral cobrado para o serviço”, explica a psicóloga Gabriela Souza.

Ariadne Ramos fala sobre os impasses financeiros para iniciar a terapia – Reprodução/Entre Becos 2023

Após as buscas e uma sessão com nove profissionais, Ariadne escolheu a psicóloga que a acompanha desde abril de 2021 e a deixou confortável para combinar também as condições de pagamento do tratamento.

“Isso pra mim foi bem importante porque na época eu não estava em um emprego tão seguro, não tinha uma remuneração também tão boa assim e aí estou nesses dois anos ainda praticando o mesmo valor que eu iniciei”.

Para a psicóloga, o direito a um tratamento psicológico adequado deve ser algo acessível a todo cidadão. “Todes deveriam ter a possibilidade de acessar a psicoterapia, entendendo essa necessidade enquanto ser humano”, avalia Gabriela.

O psicólogo Felipe Ornelas concorda com a colega de trabalho, porém, pondera que é preciso observar a situação social e econômica atual. “Considerando o país em que vivemos, seria egoísmo dizer para um cidadão/proletário que o mesmo precisa fazer psicoterapia para lidar com todos os seus problemas, sendo que ele não está tendo acesso ao mínimo”.

Gabriela Souza e Felipe Ornelas trabalham com a dinâmica do valor social. O psicólogo conta ainda que fez um estágio clínico com comunidades mais pobres na época da faculdade e, por isso, tenta retribuir. “Longe de mim romantizar a atuação do profissional, até porque psicólogo também tem boletos, né?”, observa Ornelas.

“Fornecer um espaço de acolhimento para um grupo de pessoas que não podem acessar os valores de algumas clínicas é o mínimo que posso fazer, na medida do possível“, diz.

Aumento da Demanda

O interesse por cuidar da saúde mental está no alvo de jovens em todo o Brasil. A enquete Rede de apoio em saúde mental, realizada em 2022, pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pela organização da sociedade civil Viração Educomunicação, revelou que dos 7,7 mil adolescentes e jovens participantes, metade sentiram necessidade de pedir ajuda em relação à saúde mental.

Porém 40% deles não recorreram a ninguém. Outros 20% buscaram amigas (os), 15% psicólogas (os) ou psiquiatras, 11% recorreram à família e 8% a namoradas (os), 2% procuraram professores e outros 2% buscaram profissionais no Sistema Único de Saúde.

A estudante de direito Diva Anatalia Trinchão, 25, percebeu que não estava bem a partir dos comentários a respeito do seu comportamento, e decidiu que era hora de procurar um especialista.

“Tive uma percepção mais nítida devido ao comentário de algumas pessoas próximas sobre as oscilações no meu humor e como isso afetava negativamente a minha vida como um todo. Então, a partir desse momento, surgiu a necessidade de me conhecer um pouco mais”, explica.

Moradora do bairro da Sussuarana, periferia de Salvador, Anatalia já observa as mudanças provocadas pela psicoterapia que faz há um mês, uma vez por semana, durante uma hora.

“Já consigo perceber uma evolução no que diz respeito ao meu relacionamento interpessoal e a forma como lido com as questões cotidianas. A minha terapia ocorre de maneira remota porque se encaixa melhor com a minha rotina”, conta.

Anatalia Trinchão observa melhoras com a psicoterapia – Bruna Rocha/Entre Becos 2023

Alana Barbosa também diz que notou mudanças e a diferença de um apoio profissional já nos primeiros encontros. “O que me fez mudar de ideia foi uma sessão experimental, que já me apontou perspectivas até então desconhecidas”.

“Leituras e conversas sobre processos terapêuticos com quem já fazia, além do entendimento de que psicoterapeutas têm ferramentas importantes para a curar as nossas emoções”, enfatiza a estudante.

Desde que iniciou a terapia em 2018, Alana já se vê de outra forma. “Consigo enxergar minha história e minhas experiências diárias sob perspectivas melhores, e mais, penso, de modo acompanhado, como posso lidar com as situações”.

Terapia no SUS

O Sistema Único de Saúde (SUS) fornece alguns serviços de cuidado da saúde mental para a população. A Prefeitura de Salvador, por meio da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), instalou o Serviço Multiprofissional de Atenção Especializada em Saúde Mental, no Multicentro de Saúde Carlos Gomes, localizado na rua Carlos Gomes, no Centro.

O serviço oferece acolhimento de pessoas de todas as idades com sofrimento ou transtorno mental moderado. O objetivo é fortalecer a Rede de Atenção Psicossocial (Raps) para responder à crescente demanda de cuidado com a saúde mental, agravada pela pandemia de Covid-19.

O acesso ao serviço ocorre de forma regulada. Os pacientes são encaminhados pelas unidades básicas de saúde ou pelos Centros de Atenção Psicossociais (Caps).

Anatalia Trinchão e Alana Barbosa percebem diferença após a terapia -Bruna Rocha/Entre Becos 2023

Já no âmbito estadual, o Centro de Referência em Assistência Social (Cras) atua com famílias e indivíduos em seu contexto comunitário, oferecendo orientação e fortalecimento do convívio familiar. Nestas unidades existem serviços de acolhimento psicológico.

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Nela são desenvolvidas as ações do Programa de Atenção Integral à Família (Paif), do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. Outra assistência possível é o Centro de Atenção Psicossocial (Caps). Os serviços são de caráter aberto e comunitário, voltados aos atendimentos de pessoas com sofrimento psíquico ou transtorno mental.

O Caps também acompanha pessoas com necessidades decorrentes do uso de álcool, crack e outras substâncias. E ajuda pessoas em crises ou em processos de reabilitação psicossocial.

Reportagem de Bruna Rocha, Fotografia de Bruna Rocha e Edição de Rosana Silva e Cleber Arruda

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