Quem não vê cor, não vê a luta

blm-campaign-with-african-american-woman-in-the-shadow-social-media-post-scaled-1.jpg

BLM campaign with African American woman in the shadow social media post

Por Iane Pessoa*

Quem nunca se deparou durante um diálogo sobre questões raciais com falas como “Eu não vejo tonalidades de peles diferentes. Para mim são todos iguais”? Frases como essa viralizaram recentemente nas redes sociais, dando espaço para a discussão do termo color blindness ou color blind racism, referente a pessoas (especialmente brancas) que alegam não enxergar diferentes tons de cor de pele.

Quem não vê cor, não vê a dor do negro- Foto: Freepik

Primeiramente é preciso explicar o que este termo realmente significa. A tradução literal de color blindness seria cegueira de cor, um termo usado para portadores de daltonismo, uma deficiência visual. Quando essa expressão é utilizada para falar sobre uma incapacidade proposital de diferir cor nas pessoas, a transformação do significado torna-se uma fala capacitista. 

Além da deturpação do termo original, na discussão sobre color blindness existe uma série de problemas e contradições no diálogo sobre questões raciais. “Eu não vejo negro ou branco; eu vejo todos como iguais” é uma das principais frases que reforçam essa ideia de cegueira de cor/raça e, mesmo que as pessoas estejam bem intencionadas, acabam anulando a discussão sobre raça e deixando de examinar o próprio viés inconsciente. 

Leia também: Precisamos falar sobre a solidão da mulher negra

Os argumentos citados ignoram o racismo estrutural e sistêmico que uma pessoa negra vive, enquanto é preciso discutir e construir ações para evoluir a pauta negra no Brasil. Podemos conceituar as tentativas de “color blindness” e a resistência em participar de diálogos sobre questões raciais como sinais de uma fragilidade branca. 

As pessoas brancas têm uma dificuldade em se ver como uma raça, pois os padrões de normalidade racial contemplam a sua existência. O branco é socialmente visto como uma cor comum, enquanto o preto ou o indígena ou até o amarelo são os diferentes, os racializados. Ao mesmo tempo que essa fragilidade faz o branco não se enxergar como raça, também faz com que ele não queria discutir raça. 

Temáticas voltadas para a branquitude são as mais difíceis de deliberar porque a fragilidade branca aflora emoções como raiva, medo, incômodo e culpa. “Eu não sou racista, eu tenho um amigo negro” são contra-argumentos comuns que sempre aparecem nas discussões junto com o “color blindness”. A democracia racial, conceito trazido por Gilberto Freyre em “Casa Grande Senzala”, também é colocado nas discussões, questionando a capacidade e disposição que pessoas pretas têm para conquistar seus objetivos.

Contudo, é possível evidenciar por meio dos dados estatísticos que a população negra desde os primórdios da nossa história como país é marginalizada e violentada até os dias de hoje. No estudo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil feito pelo IBGE em 2019 é apresentado que 68,5% dos cargos de gerência no país são ocupados por pessoas brancas, enquanto 29,9% pertencem a pessoas pretas. O salário médio de uma pessoa branca com ocupação formal equivale a 3.282 reais, enquanto para uma pessoa preta vale 2.082.

É preciso compreender que a luta racial é anulada por expressões e falas que ignoram a raça, que se negam a enxergar a cor. Então, mesmo sem entender, é propagado e perpetuado o racismo sistêmico que dificulta, oprime e nega direitos à vida de pessoas negras. Por fim, todo o combo de “color blindness”, fragilidade branca e o mito da democracia racial atrasam o avanço da pauta antirracista e da luta do movimento negro no Brasil.

*Iane Pessoa é Analista de Projetos e Diversidade e Inclusão da Condurú Consultoria. 

0 Replies to “Quem não vê cor, não vê a luta”

Deixe uma resposta

scroll to top