Mulher preta, mãe, publicitária e artista assim se apresenta May Solimar, que se reencontrou neste momento de pandemia com a arte de desenhar, comprou uma mesa digital e deixou fluir sua criatividade. “Acho que a pandemia trouxe à tona em mim, e acredito que em muita gente, o olhar para dentro. A arte sempre me ajudou a me equilibrar, sempre me distraía, e quando, em meio a crises da pandemia, pensei no que me fazia bem, o ‘poder expressar o que estava sentindo’ me fez querer desenhar”, comenta.
Desde muito pequena May já gostava de desenhar, nem as paredes da casa da mãe escapava dos primeiros rabiscos, mesmo que de forma distorcida da infância. Quando criança, tinha algo nos traços que não faziam muito sentido, ela só desenhava pessoas brancas. “Eu cresci estudando em escolas particulares, quando não era a única pessoa preta da sala, era uma das pouquíssimas. Eu não me via representada em filmes, em revistas, nem em desenhos animados, a não ser de forma estereotipada ou em papéis de escravos ou empregados domésticos de pessoas brancas. Acho que, naturalmente, projetava em meus desenhos o que via ao meu redor e o que a sociedade me mostrava ser melhor” ,lembra.
Ao decorrer do seu crescimento, May, como grande parte das pessoas pretas do Brasil, foi atravessada pelo racismo e usava a arte de desenhar, pintar e escrever como uma forma de colocar pra fora toda a sua frustração diante esse crime tão brutal. “Usava a arte como válvula de escape, era algo que eu sabia que era boa. Minha criatividade sempre foi enorme. Criava histórias, imagens, canções, poesias, tudo dentro da minha cabecinha. Eu ficava naquele mundinho artístico e esquecia por um tempo de que eu era uma menina preta em um mundo que me tratava mal”, diz.
Profissionalização
Na hora de escolher uma profissão, mesmo sendo apaixonada pela arte, May foi para o caminho da comunicação, optou pela área da publicidade. Ela conta que no primeiro dia de aula, conversando com os colegas, viu que boa parte entrou em publicidade porque gostava de desenhar. “Achei engraçado, porque realmente, a publicidade tem muito a ver com a criatividade e, querendo ou não, a sociedade diz que arte não dá dinheiro, então porque não estudar algo que precise de criatividade, mas pode me ajudar de forma mais efetiva a pagar as contas ambas as profissões têm como essência a transmissão de uma mensagem de forma criativa. E isso me fez escolher a publicidade”, relembra.
Tendo como inspiração as suas vivências, sentimentos e reflexões, May classifica sua arte como sendo um desabafo e pensamentos da própria artista com o mundo. “Há pensamentos voltados a política, racismo, sentimentos de euforia ou de paz. Pedaços do que experiencio na vida”, comenta.
Do prazer à rentabilidade
May, então, começou a expor seus desenhos no Instagram, coisa que nunca havia feito, e teve vários retornos positivos em relação às suas artes. O que a incentivou a continuar produzindo. Em uma das suas postagens, May comemorou a venda de mais uma obra de arte e dizendo que nunca imaginou que alguém levaria um quadro feito por ela. Nesse pensamento, a artista traz uma síndrome pouco falada, mas muito sentida: a Síndrome do Impostor, a característica principal é subestimar as próprias habilidades. “Eu sou uma mulher preta, que cresceu em meio ao racismo, já passei por muitas situações que me rasgaram por dentro, como 99% das pessoas pretas. Isso gera na gente uma sensação de que não somos bons o suficiente às vezes. Aquela tal ‘Síndrome do Impostor’. E eu tenho essa síndrome a cada post que faço”, relata.
A artista completa contando um pouco da sensação que teve ao ter o seu primeiro quadro vendido. “Quando vendi minha primeira tela, a sensação que tentou me dominar foi essa, ‘síndrome do impostor’, essa síndrome leva a gente a duvidar da nossa própria capacidade, jamais pensava que alguém iria gostar de algo que eu fiz e querer ter em casa. Ainda é bem difícil pensar nisso“, explica.
Reconhecimento
A partir do momento que se reconheceu como mulher preta e se tornou mais ativista na luta negra, May Solimar começou a desenhar de maneira natural pessoas pretas, trazendo mensagens de força preta, reflexões, críticas e amor próprio. O protagonismo é sempre pessoas e histórias pretas.
Ela conta, ainda, que o seu desenho favorito foi uma animação feita tendo como personagem um homem negro, em uma pegada afrofuturista. “Tenho, aos poucos, conhecido o afrofuturismo, e tem me encantado cada vez mais. Quando eu fiz essa animação, senti que estava apresentando ali, um poder meu, do homem representado, e do povo preto em si”, comenta a artista.
May acredita que é muito complicado viver de arte no Brasil, principalmente para as pessoas pretas, por ser um nicho fechado e ser um meio majoritariamente branco. “No Brasil, onde a cultura é tão desvalorizada, não dá para pensar em viver só de arte, mas tenho esperanças de que estamos num ciclo de mudanças e esse quadro mudará”, afirmou.
Para as pessoas que gostam de arte, May deixa uma dica: “FAÇA! A Arte alimenta, a arte cura, a arte nos move, desde os tempos mais antigos da civilização. Se você é preto, vide nossos ancestrais, a arte em suas mais variadas vertentes, música, pintura, vestimenta, a arte está em nós, circulando em nossas veias. Só FAÇA. Garanto que vai se sentir mais vivo, ou viva”, finalizou.