Protestos na França: especialista diz que violência policial é parte de “um repertório xenofóbico e racista”

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Após um policial atirar a queima roupa em um jovem de origem argelina na última terça-feira (27) em Nanterre, na França, os protestos no país se intensificaram. Em três dias de manifestações contra a violência policial e a morte do rapaz, já foram registrados mais de 600 prisões e 6 mil pessoas compareceram a vigília com a família de Nahel, que tinha 17 anos.

Ao Notícia Preta o professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), Flavio Thales Ribeiro Francisco, comentou a onda de protestos que está tomando o país europeu, e os relatos dos manifestantes sobre as agressões policiais de caráter discriminatório. “A violência policial é tratada como algo fora da regra e não como elemento de um repertório xenofóbico e racista dos franceses”.

Segundo o especialista, para que os protestos impactem o trabalho da polícia, na prática, será necessário reconhecer o problema do país. “É necessário que diferentes setores da sociedade francesa compreendam que houve um processo de racialização dos imigrantes e seus descendentes”. O professor também explica mais sobre o histórico de manifestações do país contra o racismo.

Manifestantes fazem protesto pela morte de Nahel /Foto: Bertrand GUAY – Agência AFP

“Este evento faz parte de uma série de manifestações ao longo das duas últimas décadas que denunciam o racismo da sociedade francesa. Diferentemente de países como o Brasil e os Estados Unidos, que têm uma tradição antirracista constituída pelos movimentos negros, as organizações de descendentes de imigrantes só recentemente conseguem pautar o debate público”, começa o especialista, que continua:

“Um agravante na situação dos europeus, é que os estadistas franceses negam veementemente a existência de práticas racistas sistemáticas, reforçando os ideais republicanos universalistas. A experiência colonial é considerada um problema superado e não um legado na estruturação de uma relação de dominação entre “franceses nativos” e descendentes de imigrantes”.

Além disso o professor Flavio Francisco afirma que o distanciamento temporal e principalmente o distanciamento espacial, dificultam a aceitação da sociedade francesa em se reconhecer racista. “O racismo fez parte de uma ordem social colonial construída nos continentes asiático e africano, mas jamais se consideraria a ascensão de uma sociedade racista em uma ordem democrática em território francês”.

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O especialista também afirma que os protestos tem influência do movimento Black Lives Matter mas que antes disso, protestos como esse já aconteciam. Mas ele reforça que o assassinato de George Floyd fomentou o debate e fortaleceu a luta dos ativistas franceses.

O professor de relações internacionais também ressaltou a cultura de protestos de rua na França, e finalizou fazendo uma análise sobre as possíveis movimentações tanto do governo, quanto de todo o bloco europeu.

“Em uma sociedade que tem votado em massa em candidatos de extrema-direita é possível pensar que o governo de Macron não fará nenhum movimento contundente em favor de minorias étnicas e raciais no país. Por outro lado, a construção de uma agenda antirracista eficiente dependeria também da capacidade da União Europeia de articular esforços no sentido de ampliar o debate sobre racismo na comunidade supranacional e repensar as políticas de controle dos fluxos migratórios”.

Entenda o caso

Na região da capital francesa, manifestantes protestaram pela terceira noite seguida no subúrbio de Nanterre, a noroeste de Paris, onde veículos foram incendiados e virados. Em outras cidades, como Clichy-sous-Bois e em Aubervilliers, também teve confusão, assim como na cidade de Marselha e Lille. Aproximadamente 40 mil policiais foram mobilizados para atuar nos protestos, que também responderam com violência contra os manifestantes.

Um vídeo do jovem de origem argelina sendo morto também foi divulgado, deixando quem participa dos protestos ainda mais revoltados.

Momento em que jovem é morto por policial /Foto: Reprodução

Segundo o ministro do Interior, 667 pessoas foram detidas, 307 delas somente na região de Paris, segundo a sede da polícia de Paris. De acordo com o ministério, 249 policiais e guardas ficaram feridos, nenhum deles com gravidade. Não há novas informações sobre feridos entre o restante da população até o momento.

Segundo Yassine Bouzrou, advogado do jovem morto pela polícia, o “sistema judiciário é culpado pelo assassinato de Nahel”, que completa: “Temos uma lei e um sistema judicial que protege os policiais e cria uma cultura de impunidade na França”.

Políticos e artistas se manifestaram. O jogador Kylian Mbappé, que defende a seleção francesa e o PSG, fez uma declaração pelo Twitter. “Estou sofrendo pela minha França”, “Uma situação inaceitável”. O ator Omar Sy também se manifestou pelo Twitter e cobrou justiça. “Espero que uma justiça digna desse nome honre a memória desta criança”.

O presidente Emmanuel Macron disse que “nada justifica a morte de um jovem”, que segundo ele “é inexplicável, imperdoável”.

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Thayan Mina

Thayan Mina

Thayan Mina, graduando em jornalismo pela UERJ, é músico e sambista.

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