200 trabalhadores foram resgatados de situação análoga à escravidão, em safra da uva, na cidade de Bento Gonçalves (RS), na noite da última quarta-feira (22). Eles foram aliciados na Bahia e levados para a região. A operação foi feita em conjunto entre a Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Federal (PF) e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Três trabalhadores conseguiram fugir do local em que eram mantidos presos e fizeram a denúncia. Eles contam que foram “contratados” pela empresa Oliveira & Santana sob a promessa de receber salários acima de R$ 3 mil na colheita da uva. Além disso, teriam acomodação e alimentação.
Porém, de acordo com o Ministério do Trabalho, nada do prometido foi ofertado. As condições eram de alojamento totalmente insalubre, atrasos no pagamento de salários, jornadas exaustivas, violência física, alimentação inadequada e até mesmo cárcere privado. Em relato também ao MT, algumas das vítimas afirmaram que castigos com choque elétrico e spray de pimenta eram constantes.
“Alguns diziam que tinham recebido um adiantamento, mas nunca tiveram pagamento do que foi prometido. Em contrapartida, tinham essa indicação: ‘vai lá e compra no mercadinho que te vende fiado’, e esse mercadinho praticava preços elevados. Foi identificado um saco de feijão a R$ 22”, contou Vanius Corte, gerente regional do Ministério do Trabalho e Emprego.
E continuou: “O empregado ficava sempre devendo e não conseguia sair sem pagar a conta, não recebia o salário e ficava essa situação, de ficar preso no local por conta da dívida. Isso foi uma das coisas que caracterizou o trabalho escravo, além dessa história das agressões. Nossa fiscalização apreendeu no local uma máquina de choque elétrico e spray de pimenta que era usado contra os empregados que reclamavam da situação. É uma situação escandalosa de tratamento das pessoas”.
O proprietário da empresa foi preso e encaminhado ao Sistema Penitenciário do Rio Grande do Sul. Nesta quinta-feira (23), o Ministério Público do Trabalho (MPT) terminou a coleta de depoimentos das vítimas e, pretende regularizar as verbas rescisórias e indenização às essas pessoas.
Segundo a Polícia Federal e o Ministério do Trabalho e Emprego, a empresa Oliveira & Santana, oferecia mão de obra às vinícolas famosas da região, como a Salton, Aurora e Cooperativa Garibaldi.
As três empresas disseram não ter conhecimento das irregularidades praticadas pela terceirizada. Mesmo assim, o Ministério do Trabalho e Emprego, alertou que elas podem ser responsabilizadas pelo pagamento dos direitos trabalhistas caso estes não sejam quitados pela empresa Oliveira & Santana.
“O primeiro responsável é o atravessador. Se ele não paga, quem recebeu esse serviço será responsabilizado porque essas pessoas prestaram serviços para eles, alguém tem que receber (…). Eu até conversei com o responsável de uma dessas vinícolas. Ele disse que fez a contratação desse atravessador (homem preso). Mas não imaginava a situação, e agora eles sabem que podem ser responsabilizados por essas pessoas que trabalharam para eles. Então, alguém vai ter que pagar, se o atravessador não pagar, eles estão preparados para pagar”, disse Vanius Corte, do MTE, em entrevista à Rádio Gaúcha.
A seguir, leia as notas emitidas para imprensa das empresas Salton, Cooperativa Garibaldi e Aurora
Salton
“A empresa não possui produção própria de uvas na Serra Gaúcha, salvo poucos vinhedos situados junto a sua estrutura fabril que são manejados por equipe própria. Durante o período de safra, a empresa recorre à contratação de mão de obra temporária. Estes temporários permanecem em residências da própria empresa, atendendo a todos os critérios legais e de condições de habitação. A empresa ainda recorre, pontualmente, à terceirização de serviços para descarga. Neste caso, o vínculo empregatício se dá através da empresa contratada com o objetivo de fornecimento de mão de obra. No ato da contratação é formalizada a responsabilidade inerente a cada parte. Neste formato, são 7 pessoas terceirizadas por esta empresa em cada um dos dois turnos. Estas pessoas atuam exclusivamente no descarregamento de cargas. Através da imprensa, a empresa tomou conhecimento das práticas e condições de trabalho oferecidas aos colaboradores deste prestador de serviço e prontamente tomou as medidas cabíveis em relação ao contrato estabelecido. A Salton não compactua com estas práticas e se coloca à disposição dos órgãos competentes para colaborar com o processo.”
Cooperativa Garibaldi
“Nota à imprensa
Diante das recentes denúncias que foram reveladas com relação às práticas da empresa Oliveira & Santana no tratamento destinado aos trabalhadores a ela vinculados, a Cooperativa Vinícola Garibaldi esclarece que desconhecia a situação relatada.
Informa, ainda, que mantinha contrato com empresa diversa desta citada pela mídia.
Com relação à empresa denunciada, o contrato era de prestação de serviço de descarregamento dos caminhões e seguia todas as exigências contidas na legislação vigente. O mesmo foi encerrado.
A Cooperativa aguarda a apuração dos fatos, com os devidos esclarecimentos, para que sejam tomadas as providências cabíveis, deles decorrentes.
Somente após a elucidação desse detalhamento poderá manifestar-se a respeito.
Desde já, no entanto, reitera seu compromisso com o respeito aos direitos – tanto humanos quanto trabalhistas – e repudia qualquer conduta que possa ferir esses preceitos.”
Aurora
“NOTA À IMPRENSA
A Vinícola Aurora se solidariza com os trabalhadores contratados pela empresa terceirizada e reforça que não compactua com qualquer espécie de atividade considerada, legalmente, como análoga à escravidão.
No período sazonal, como a safra da uva, a empresa contrata trabalhadores terceirizados, devido à escassez de mão-de-obra na região. Com isso, cabe destacar que Aurora repassa à empresa terceirizada um valor acima de R$ 6,5 mil/mês por trabalhador, acrescidos de eventuais horas extras prestadas.
Além disso, todo e qualquer prestador de serviço recebe alimentação de qualidade durante o turno de trabalho, como café da manhã, almoço e janta.
A empresa informa também que todos os prestadores de serviço recebem treinamentos previstos na legislação trabalhista e que não há distinção de tratamento entre os funcionários da empresa e trabalhadores contratados.
A vinícola reforça que exige das empresas contratadas toda documentação prevista na legislação trabalhista.
A Aurora se coloca à disposição das autoridades para quaisquer esclarecimentos.”
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