Não basta atrair: a importância de desenvolver profissionais diversos para um futuro inclusivo

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*Por Guilherme Ventura Martins

Com alegria tenho visto, rotineiramente, notícias sobre organizações abrindo programas afirmativos, no mercado brasileiro, para atrair talentos de grupos minorizados. Fica evidente que estamos avançando na pauta de diversidade, equidade e inclusão, mas não podemos desconsiderar que esses programas, apesar de serem extremamente relevantes, são apenas o primeiro passo. A porta de entrada aberta é fundamental, sem dúvidas, mas o verdadeiro avanço reside na intencionalidade de também desenvolver esses talentos e promover uma cultura de valorização e respeito.

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É necessário entender as dificuldades e necessidades individuais para elaborar, a partir delas, iniciativas sólidas que apoiem a construção das habilidades técnicas e socioemocionais exigidas para o crescimento profissional no universo corporativo. O estudo “Diversidade Socioeconômica no Ambiente de Trabalho”, realizado com empresas da América Latina e publicado em 2022 pela consultoria McKinsey, mostrou, por exemplo, que somente 35% dos entrevistados com condições socioeconômicas menos favoráveis afirmam ter inglês intermediário ou avançado, ante 66% dos funcionários com condições mais favoráveis.

Guilherme Ventura Martins /Foto: Divulgação

Na contramão, dados da Pesquisa de Benefícios Aon 2023, realizada com 929 empresas atuantes no Brasil, revelam que 56,2% delas ainda não implementaram programas de desenvolvimento para quaisquer grupos minorizados. Adicionalmente, o mesmo estudo da Mckinsey citado interiormente indica que  o grau de competências técnicas, as chamadas hard skills, podem ser até 45% mais prevalentes. E as competências pessoais, as soft skills, se apresentam com uma diferença de até 53% em relação ao número de horas investidos no desenvolvimento individual. Os dados indicam que, apesar de parecer óbvio que a preocupação com a inclusão não deve ocorrer só na etapa da contratação, a realidade diz o contrário. Uma parte significativa das empresas ainda não tem ações específicas de desenvolvimento para grupos minorizados, o que faz com que o acesso a oportunidades ainda seja muito discrepante.

Durante a minha jornada profissional, percebi que criar um ambiente verdadeiramente inclusivo deveria ir  muito além de ações afirmativas pontuais. Em 2021,  participei de um programa de trainee voltado para capacitar profissionais negros para cargos de liderança, algo, até então, novo no cenário brasileiro. Nunca havia pensado em ser trainee para ter minha carreira acelerada profissionalmente, nem ter uma carreira necessariamente executiva, talvez por falta de referências e oportunidades. Entretanto,  me candidatei a essa oportunidade ao identificar que era exclusiva para profissionais negros, o que denotava intencionalidade da organização em ser mais equânime. Naquele momento, pela primeira vez na minha carreira vi pessoas, histórias e trajetórias parecidas com as minhas durante um processo seletivo. E há uma absoluta diferença entre atuar em ambientes abertos para abraçar as diferenças e atuar em ambiente padronizado, onde o espaço para jornadas e pensamentos distintos é limitado. Sub-representação de grupos minorizados impacta a cultura, que, por sua vez, interfere na amplitude dos programas de treinamento e capacitação. Em última instancia, mantém o status quo e o nível de sub-representação em cargos gerenciais e executivos. Estes elementos contribuem para que, mesmo havendo maior diversidade, o nível de inclusão e acesso a oportunidades de crescimento profissionais sejam menores.

Por experiência própria, percebo que colaboradores de grupos sub-representados requerem  oportunidades, tanto de entrada, quanto de crescimento, mas, sobretudo, de confiança.  O programa afirmativo ao qual participei foi o maior processo seletivo da organização, com 19 mil inscritos para 19 vagas, indicando uma demanda represada da população negra brasileira por boas oportunidades. A ausência de representatividade não é a medida da capacidade e qualificação das pessoas negras e sim indicador da falta de acesso. Neste sentido, ações que estimulem o fortalecimento individual e criação de confiança,  para que as pessoas possam ser autênticas, expressarem suas vontades, contribuições e todo o seu potencial criativo são absolutamente importantes. Complementarmente, oferecer capacitação e um ambiente de segurança psicológica acarreta desenvolvimento, engajamento, melhor tomada de decisão e disposição para assumir riscos por parte desses talentos, características importantes para qualquer profissional que almeja alcançar posições de liderança.

Nesta direção, recentemente tive o prazer de estruturar a iniciativa Empoderando Talentos Negros, que promoveu a capacitação de 19 pessoas de diferentes áreas e níveis de senioridade a partir de uma imersão profissional nos Estados Unidos. Esta ação foi justamente criada com três objetivos principais: promover networkingdesenvolvimento de competências e empoderamento, de modo a contribuir para o desbloqueio do potencial deste grupo de talentos da organização. Estes aspectos são essenciais para o desenvolvimento profissional e uma combinação especialmente importante para a população negra, que enfrenta receios, preocupações e marcas geradas pela aridez que pode ser a trajetória profissional e acadêmica de uma pessoa negra e/ou periférica no Brasil. Esta experiência, mesmo que ainda recente, gerou efeitos positivos nesse grupo, com entregas e resultados que começam a ser notados. Portanto, pode-se dizer que há uma contribuição para o indivíduo, uma evolução do contexto corporativo e benefícios para a organização. Ou seja, mover-se nesta direção é bom para todos.

O Relatório DE&I 2023, conduzido pela Deloitte, com 355 respondentes, traz que 89% dos participantes concordam que as práticas de diversidade, equidade e inclusão contribuem para a inovação e o uso de novas tecnologias. Não faltam pesquisas no mundo todo comprovando, em diferentes segmentos e mercados, indicando que desenvolver talentos diversos é mais do que uma responsabilidade corporativa, mas sim uma oportunidade para as empresas e pessoas se tornarem melhores, mais inovadoras, disruptivas e bem-sucedidas. A diversidade, quando valorizada e bem gerida, promove um ambiente de trabalho mais acolhedor, engajado e criativo, onde todos podem contribuir e alcançar seu máximo potencial. Porém, ações afirmativas isoladas não são suficientes para alcançar o auge e a totalidade dos impactos definitivos que a diversidade pode trazer. Elas são só o começo. 

*Guilherme Ventura Martins é Gerente Sênior de Recursos Humanos para áreas de P&D da Bayer Crop Science

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