Depois que o caso da ginecologista Helena Malzac Franco, que disse que mulheres negras têm mais probabilidade de terem cheiro forte nas partes íntimas, veio à tona e ganhou grande repercussão, outras mulheres também começaram a relatar suas experiências nas redes sociais. Algumas que disseram ter sido atendidas por ela, começaram a relatar casos em que foram constrangidas e até prejudicadas.
Outras também comentaram que já ouviram a mesma questão de outros profissionais da saúde, mesmo não sendo verdadeira. De acordo com o advogado da vítima que denunciou a ginecologista, Djeff Amadeus, um debate importante começou. “A importância desse processo, mais do que condenações individuais, é trazer à tona uma mudança na medicina brasileira a fim de eliminar práticas que adoecem a população brasileira há anos”, disse
De acordo com a médica ginecologista e obstetra, Mariana Ferreira, o que motiva o odor da região genital se correlaciona com os micro-organismos que estão presentes nesta região.
“Variações da flora vaginal quando produzem odor, se correlacionam com prováveis desequilíbrios da flora local e isso não apresenta qualquer correlação com a pigmentação da pele. Além disso, o suor produzido em todo corpo, não apresenta odor. Sendo assim, não há nenhuma evidência forte, do ponte vista científico que exista qualquer correlação entre odor e cor da pele”, explica a médica.
Em um post nas redes sociais, uma mulher negra descobre que sua médica de confiança é a acusada, ela compartilha o quão transtornada ficou ao saber do caso. “A mulher viu a minha e também pensou isso. E eu só descobri agora. Só Deus sabe o quanto tá doendo”, disse. Em resposta, outras foram relatando seus casos.
Uma outra usuária comentou sobre a médica ter dito que poderia deixar a parte íntima dela “mais clarinha”, e uma mãe contou que também escutou a médica falar para sua filha que a questão do odor corporal “é da raça”. Muitas, em resposta, disseram se consultar com a profissional, e que após o caso, estão buscando outras médicas.
Refletindo sobre a questão, uma usuária lamentou os ataques. “É f*da pensar na quantidade de pessoas com quem eu posso ter flertado ou me relacionado que podem ter pensado a mesma coisa. Ser mulher preta no Brasil é duro demais”, escreveu.
A afirmação sem fundamentação científica da médica também é reproduzida por outros membros da comunidade médica, e por isso o advogado destaca que o “foco não é a médica em si, mas sim na medicina como um todo, porque o racismo é estrutural, e não individual” e explica como a prática funciona.
“Racismo científico é uma tecnologia de poder que se vale da pseudociência para poder criar distinção entre as pessoas, possibilitando a dominação de um grupo sobre o outro”, disse.
Para a ginecologista Mariana Ferreira, o impacto negativo desse tipo de comportamento na saúde dessas mulheres, é enorme.
“Desde negligências as queixas levadas pela pessoa que busca atendimento. Dificuldade de acesso a tratamentos cirúrgicos menos invasivos, levando inclusive a complicações mais frequentes, assim como a morte. Por outro lado, neste caso especificamente, afasta a paciente do seu autocuidado, uma vez que se sente envergonhada de procurar atendimento novamente devido a violência que foi submetida”.
Mas para além das afirmações que se encaixam no racismo científico, outras mulheres também relataram outras experiências negativas com a ginecologista. “Essa maldita me fez chegar em uma crise de ansiedade no meio do meu parto restringindo o meu direito ao meu acompanhante e no ápice do meu nervosismo me perguntou se eu era ‘uma mulher ou um rato’”, escreveu uma mulher.
“Me consultei com ela na minha primeira gestação em 2019. Eu com um sangramento na urina que ela disse ser normal e me mandou pra casa sem nenhum exame. Era infecção urinária severa. Sofri um aborto 6 dias depois por negligência”, escreveu outra.
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A ginecologista inclusive explica como deve ser o tratamento dado às pacientes. “Este acolhimento deve ser feito sempre norteado por evidências científicas bem estabelecidas. Disponibilizando uma escuta ativa para as demandas das mulheres, proporcionando um ambiente onde elas se sintam seguras e jamais julgadas”, diz.
Segundo Djeff, com tantos relatos, é possível que a ginecologista enfrente um outro processo, “se forem casos de ação penal pública incondicionada”, como explica o advogado. “A polícia pode instaurar inquérito. Além dela poder responder no Cremerj”, conta.
Caso na justiça
Depois do boletim de ocorrência feito pela executiva Luana Génot e por sua afilhada, de 19 anos, levada por para uma consulta com a médica é Helena Malzac na Zona Sul do Rio de Janeiro, o Ministério Público denunciou a ginecologista por racismo já que ela se referiu ao conjunto de mulheres negras, dizendo que para ela 70% das mulheres negras tem esse odor mais forte, em conversa com Luana no consultório.
A primeira audiência do caso já aconteceu, e o advogado explica o que acontece a seguir. “O Próximo passo será o ministério público apresentar as alegações finais, pedindo a condenação ou absolvição da médica e, depois, a médica apresenta a sua defesa. Posteriormente a isso, o juiz proferirá a sentença condenando ou absolvendo”, explica.
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E, por isso, Djeff Amadeus destaca a importância da vítima ter uma defesa. “Porque o Ministério Público poderia pedir a absolvição. Daí a importância do advogado da vítima fazer as alegações finais pedindo a condenação da médica”, conta. Caso ela seja considerada culpada, o advogado da vítima diz que ela pode receber uma pena de 1 a 3 anos.
Na audiência a acusada confirmou o que disse no consultório, mas em defesa prévia apresentada à Justiça em janeiro deste ano, o advogado da médica disse que “em nenhum momento, durante o procedimento médico, ocorreu a vontade de discriminar a suposta vítima” e afirmou também que “o objetivo do comentário da ré foi estrito e visando exclusivamente tratar o mau cheiro com forte odor na região das virilhas”.