A defesa de Nicéia Fonseca Pereira, uma mulher negra de 65 anos, considera que a decisão de primeira instância, que negou sua indenização e a condenou ao pagamento de R$ 10 mil em custas processuais e honorários advocatícios, representa uma “sentença racializada” para um “caso infame”. Segundo os advogados, a historiadora Lilia Schwarcz e a editora Claro Enigma, do Grupo Companhia das Letras, teriam recorrido a “métodos lombrosianos” para desqualificar a reclamação legítima de Nicéia, que contesta o uso de uma foto sua de infância na capa do livro Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira.
A fotografia, publicada originalmente em 1963 no jornal Última Hora, mostra uma criança negra segurando uma boneca branca. Nicéia afirma ser a menina retratada na imagem e alega que o uso foi feito sem sua autorização. Em 2020, ela entrou na Justiça pedindo uma indenização de R$ 100 mil. Contudo, o juiz Rafael Alves, da 4ª Vara Cível de Nova Iguaçu (RJ), negou o pedido, afirmando que a identificação da autora na imagem não seria possível para pessoas que não fossem seus familiares próximos.
A decisão também concluiu que não houve provas suficientes de que a criança retratada na capa do livro é, de fato, Nicéia. Além disso, o magistrado destacou que a fotografia não resultou em exposição vexatória, dano à honra ou prejuízo à imagem, elementos necessários para justificar a indenização.
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A defesa da Companhia das Letras afirmou que a foto foi obtida no Arquivo Público de São Paulo, dentro do acervo do jornal Última Hora, e que o uso foi realizado de boa-fé, sem qualquer intenção de causar danos. Por outro lado, os advogados de Nicéia contestaram a decisão e recorreram à segunda instância, argumentando que a identificação da autora pela legenda do jornal deveria ser suficiente e que houve um tratamento racializado no julgamento.
Para os representantes de Nicéia, o fato de uma autora branca, amplamente reconhecida por suas análises sobre racismo estrutural, contestar a identidade de uma mulher negra a partir de traços físicos ressalta uma desigualdade histórica. O caso ainda será analisado por desembargadores.
Procurada, a defesa de Lilia Schwarcz e da Claro Enigma reiterou que ambas agiram com total boa-fé e que todas as providências necessárias foram tomadas antes da judicialização.