Rachel Xexéu é comunicóloga formada em publicidade e propaganda, com um MAB em Gestão de Negócios pela Universidade de São Paulo (USP), e uma especialização pela ESPM. Mas antes disso, Rachel é legado, filha de João Kalunga, um dos precursores do baile funk nas favelas. Inspirada por ele, resolveu dar continuidade ao trabalho do pai.
Dessa forma surgiu a Casa Funk, localizada no Rio de Janeiro. Uma instituição, fundada por Rachel, para promover o movimento funk e oferecer serviços à comunidade negra e periférica. Para ela, este universo possui um grande potencial.
“O movimento funk para mim significa pessoas pretas ousando serem felizes e donas de suas próprias narrativas. Funk é Exu, e o funk não se deixa classificar, só ele é capaz de falar por si, de se autodeterminar, além de abrir caminhos e conectar. E sobre conectar, podemos falar em conexão de gerações, gêneros musicais, raças, classe social, gênero”.
E não é atoa que Rachel pense assim. Com uma infância frequentando, junto com seus pais, feijoadas no Clube Renascença – localizado no Andaraí desde 1958, e conhecido como um lugar de encontro de famílias negras -, e indo reuniões do Movimento Negro, sempre teve, desde cedo, muita referência de cultura negra.
“Meu pai me deu uma educação para estruturar toda a minha autoestima e me preparar para um mundo que tentaria me provar o extremo oposto de tudo o que ele e minha mãe me ensinaram sobre quem somos”, diz Rachel, que detalha ainda mais o universo de seu pai, um homem preto militante do Movimento Negro Unificado.
“Temos mania de pensar que produção de intelectualidade vem da Academia, né? Mas quando entendemos o Movimento Negro, conseguimos ter a percepção produção de intelectualidade, cultura, pensamento crítico e seus desdobramentos, releituras ou apropriações”, conta Rachel, que continua:
“O Baile, ele conta sempre, era não só entretenimento, mas também um momento de conexão de idéias, ideais, comportamento, um pouco de alívio também, e um lugar seguro da tensão que era a ditadura para pessoas pretas, que é pouco comentada. E o funk no Brasil chega nesse período. Então o baile eram pessoas pretas usando o entretenimento como forma de conscientização dos seus”, explica.
A partir disso, Rachel Xexéu conta o impacto dessa vivência em toda a sua criação, e na construção do seu entendimento sobre a população negra.
“Isso influencia o meu olhar para fora do que a superficialidade nos traz sobre o funk e a percepção de que antes de vir do Miami Bass, Alemanha como alguns gostam de dizer, ou Jamaica, ele vem da África e ele faz um caminho até chegar aqui conectando as diásporas. Então eu entendo o funk como um reencontro de povos africanos e afrodiaspóricos que se entendem enquanto um povo livre e alegre”.
Para ela, “não tem nada mais alegre e contagiante do que um tamborzão”, e por isso ela luta contra a criminalização imposta pela sociedade, que acredita ser motivada por conta das “vozes que ousam contar histórias”.
E então Rachel seguiu, com toda essa bagagem, em busca de outra formação: a acadêmica. Apesar de ter escolhido, inicialmente, o jornalismo – influenciada por Glória Maria, mulher que sempre admirou – mudou os rumos no meio do curso, e migrou para a publicidade “por entender a propaganda como uma ferramenta que molda o comportamento da sociedade, que vende imagem”.
Mesmo que dentro de casa a imagem do povo preto era positiva, do muro para fora a imagem propaganda dizia o contrário. “Então resolvi me tornar publicitária para propagar todas as coisas boas que nossos mais velhos me ensinaram que somos e que a mídia não nos conta”.
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Casa Funk
Rachel Xexéu criou, em 2018, o Instituto Funk Rio, que hoje é a Casa Funk, de forma muito natural, segundo ela. E com alguns objetivos bem definidos.
“Ela é o resultado do que eu quero deixar de legado construído a mil mãos, para jovens pretos que vêm depois de mim. Assim como nossos mais velhos, que trilharam um caminho bem mais árduo para hoje podermos dar continuidade e tentar fazer dessa trajetória um caminho cada vez mais doce e afetuoso”.
Segundo ela, o espaço que funciona hoje no Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (MUHCAB) – no bairro da Gamboa (RJ), se propõe a ser um espaço seguro. “A Casa Funk é sobre afeto na narrativa da cultura preta, sobre nos olharmos enquanto potências e vozes que têm total capacidade de contar uma história livre de qualquer inteligência alienada às nossas necessidades, que monetiza nossas histórias de dores”, explica Rachel, que continua a definir a iniciativa:
“É sobre a necessidade de sermos a voz que guia o olhar sobre a nossa cultura, nossos corpos, e não nos reduzirmos ao período escravocrata. Existe uma história antes e depois da escravidão e nós precisamos falar sobre isso. Construir nossa história falando sobre nossa cultura e nossas vitórias, é urgente, e a Casa Funk é sobre a urgência de narrativas positivas sobre nós mesmos”.
Com o objetivo de garantir o direito à cidade aos jovens, e dar-lhes o acesso a aparelhos culturais, a iniciativa oferece uma variedade de cursos e atividades culturais. “Nossas vagas são voltadas para jovens pretos e periféricos, e nosso desejo é que esses tenham o entendimento de que a cidade os pertence”. As inscrições, segundo Rache, podem ser feitas acessando o perfil da Casa Funk no Instagram e preenchendo o formulário disponibilizado na bio.
A publicitária que se mobiliza em prol da comunidade negra e periférica, e do movimento funk, deseja que outros projetos apareçam com o mesmo intuito de promover um outro olhar sobre esses grupos e “projetar imagens que impactam a subjetividade de sociedade em relação a produção intelectual preta, sobretudo favelada e que essa intelectualidade preta favela crie uma rede de conexões a fim de abrir caminhos no mundo do entretenimento, cultura e arte”.
Para o futuro, Rachel Xexéu pensa grande. “Nosso próximo projeto é transformar nossa pesquisa da Casa Funk em um festival de Black Music na Marquês da Sapucaí, no Rio de Janeiro, no mês da consciência negra, e contar a história do Brasil através da música preta trazendo um outro ponto de vista. A história contada e cantada pelo povo preto. Uma história que não encontramos nos livros mas que está nos sambas, jongos, rap e funk”.
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