Entre janeiro e março de 2021 foram registrados 126 casos de crimes raciais no estado de Minas Gerais, de acordo com o levantamento realizado pelo Observatório de Segurança Pública e da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), a pedido do Notícia Preta, através da Lei de Acesso à Informação (LAI). Os dados incluem os Registros de Eventos de Defesa Social (Reds), que é o antigo Boletim de Ocorrência (B.O), realizados pela Polícia Militar, pela Polícia Civil, pelo Corpo de Bombeiros Militar e pela Sejusp, no estado mineiro, neste ano.
Em três meses, foram totalizados 100 registros de injúria racial e 26 de crimes resultantes de preconceitos de raça e de cor. Os números do mês de abril ainda não estão disponíveis, mas, apenas neste mês, duas denúncias de racismo contra mulheres negras em cargos públicos já foram registrados. Um deles, o da vereadora pela cidade de Contagem (Região Metropolitana de Belo Horizonte) Moara Saboia, que, durante a sessão remota da Câmara Municipal, na última terça-feira (20), recebeu ameaças e ofensas sexistas, registradas no chat da Casa e, também, nas redes sociais da vereadora. Um dos agressores se referiu a Sabóia como “nariz amassado”.
A vereadora registrou o caso na 3ª Delegacia de Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), em Contagem, no dia 22 de abril e, segundo a PCMG, um inquérito policial foi instaurado para apurar as circunstâncias do fato. A instituição informou que a vítima ainda será ouvida para detalhar sobre as ofensas e entregar os documentos que comprovem a denúncia. Moara destacou que realizou o registro a fim de coibir a violência. “Das pessoas entenderem que racismo não é brincadeira, não é opinião, e não é piada, racismo é crime e precisa ser entendido dessa forma porque a reprodução desse tipo de fala é que determina lugares de brancos e negros na sociedade. Que determina, por exemplo, que nossa presença seja tão rara em espaços de poder”. Dados da ONU Mulheres Brasil revelaram que, considerando as 62.486 vagas para prefeitos/prefeitas e vereadores/ vereadoras em 2020, foram eleitas 9.780 mulheres, sendo 38,55% negras.
A também vereadora Dandara Tonantzin, da cidade de Uberlândia (Triângulo Mineiro), foi atacada durante uma Audiência Pública remota sobre a militarização de escolas municipais, no dia 5 de abril. Pelo chat, foram registradas as frases “fora Turbante” e “o turbante te impede de pensar, larga de ser trouxa”, contra a legisladora. “Entre demais ofensas, um perfil relembrou os ataques que vivi em abril de 2017, quando, em uma formatura de engenharia, tive meu turbante arrancado por um grupo de homens brancos”, relatou Dandara.
No caso de Tonantzin, a Polícia Civil explicou que “por se tratar de um crime de ação pública condicionada à representação, a vítima precisa comparecer à unidade policial onde fez o registro e representar pelo crime de injúria racial”, e que depois da representação, que é a indicação por parte da vítima que deseja prosseguir com a investigação sobre o racismo, as investigações retornarão ao andamento. A vereadora informou que o registro foi feito e que já foi judicializado um processo no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), a fim de que a denúncia seja apurada. “Também entendemos que os espaços da internet precisam ser seguros e democráticos. Por isto, realizamos uma judicialização contra a Google, responsável pela hospedagem do link do perfil racista no YouTube que cometeu as injúrias raciais”, explicou a vereadora Dandara.
Baixa quantidade de registro de crimes raciais
Os crimes de injúria racial e de racismo serem condicionados a representação é um dos dificultadores que são encontrados na legislação brasileira para que denúncias de crimes raciais sejam investigadas no país. “A nossa lei de racismo é muito restrita. Praticamente feita para não funcionar como todas as leis que tratam de questões raciais no Brasil, sobretudo as mais antigas. Elas são feitas, deliberadamente, para terem o mínimo de aplicabilidade e o mínimo de incidência possível”, é o que observa o advogado Carlos Augusto Santos, um dos criadores do Respire Advocacia Antirracista, grupo criado para orientar vítimas de crime de racismo quanto ao registro de denúncias e aos procedimentos legais.
Em 2020, foram registrados 337 casos de injúria em Minas Gerais, segundo dados da Sejusp, em que a causa presumida foi de racismo, nove a mais do que no ano de 2019. O quantitativos de crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor, foram 155 registros em 2020, 50 a mais do que no ano anterior. Contudo, acredita-se que exista uma subnotificação de casos devido ao modo como as denúncias são tratadas. Um levantamento do Laboratório de Análises Econômicas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que que analisou julgamentos em 2ª instância de ações por racismo e injúria racial nos Tribunais de Justiça de todos os estados entre 2007 e 2008, revelou que o réu, ou seja, o acusado de ter cometido o crime de injúria racial ou racismo, venceu em 66,9% dos casos.
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A diferença da classificação das denúncias como injúria racial e racismo também é uma das problemáticas quanto a questão. O crime de injúria está previsto na Lei n°7.716/1989 e consiste em “ofender a honra de alguém valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem”, já o crime de racismo está previsto no Código Penal Brasileiro e, ao contrário do anterior, é inafiançável e imprescritível.
Essa diferença quanto às penalizações dos crimes raciais implicam em um cenário onde é pouco comum o entendimento pelas autoridades judiciárias, incluindo a Polícia Civil, dos crimes de preconceito racial na tipificação de racismo, como explica Santos. “Nem sempre consegue-se fazer esse amoldamento do fato ao crime racismo na Lei, a injúria racial igualmente tem uma série de impedimentos, obstáculos. Quando a gente ainda consegue fazer esse amoldamento e consegue provar que existe ali o crime de injúria racial, muitas vezes, quando vai para o judiciário, é comum utilizarem teses que acabam desqualificando de injúria racial para injúria simples”, observa o advogado.
Santos explica que práticas de racismo recreativo ainda são utilizadas como desculpas e os crimes raciais são tratados, muitas vezes, como simples piadas. “’A pessoa era meu amigo, eu fiz uma piada, não tinha a intenção de ofendê-lo’. Embora aquele ato na prática ofenda, embora aquele ato seja um ato de racismo, nem sempre ele é reconhecido como injúria racial”.
O Respire Advocacia Antirracista realiza atendimentos de forma gratuita e voluntária para vítimas de racismo carentes nos estados de Minas Gerais, Bahia, Distrito Federal e São Paulo. Para mais informações, basta acessar a página.
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