O escritor Lima Barreto nasceu em um 13 de maio. Era filho de um tipógrafo e de uma professora, ambos negros. Lima Barreto não conheceu a servidão. Celebrava seus sete anos de idade no dia da Abolição. Sobre o cativeiro, disse alguns anos depois, em uma crônica: “Não lhe imaginava o horror; não conhecia a sua injustiça.” Começou a vida escolar nos anos de Lei Áurea. “Quando fui para o colégio, um colégio público, à Rua do Resende, a alegria entre a criançada era grande. Nós não sabíamos o alcance da lei, mas a alegria ambiente nos tinha tomado. Julgava que podíamos fazer tudo que quiséssemos… Parece que essa convicção era geral na meninada, porquanto um colega meu, depois de um castigo, me disse: ‘Vou dizer a papai que não quero voltar mais ao colégio. Não somos todos livres?”
O jovem Lima Barreto tornou-se um escritor brilhante e posicionado. A esta altura, sabia que estávamos ainda “longe de sermos todos livres”. Poucos anos após a Abolição, denunciava o racismo com afinco. Em seu último romance, conta a história da menina negra “cor de azeitona” Clara dos Anjos, uma de suas personagens favoritas. Clara é uma menina cheia de sonhos e planos para o futuro livre, mas é seduzida por um vizinho malandro, branco, que a engravida e, em seguida, a abandona. O dia da sedução ficou gravado em um diário: 13 de maio!
Somos todos Clara dos Anjos! Lima Barreto é nosso alter ego. Fomos todos enganados. Nos 130 anos seguintes ao 13 de maio de 1888, leis foram criadas para nos alertar de que a tal liberdade não poderia ser confundida. Logo em 1890, o código penal dos Estados Unidos do Brazil criminalizava a capoeira, mendicância, embriaguez e a vadiagem. Começava o encarceramento da população negra. Teorias, acadêmicas inclusive, se encarregaram de construir no imaginário do brasileiro a figura do negro como “inimigo social”. As artes deram conta de colocar os pretos sempre no lugar da subalternidade. E a luta contra o racismo, que insiste em inferiorizar os pretos, manteve parte da população ocupada. “Julgava que podíamos fazer tudo o que quiséssemos”! Pensamos nós, os pretos, que nosso dinheiro era igual e não impediria a entrada em uma loja. Que um carro, com cinco pretos, passaria por uma blitz sem ser alvejado. Que os shoppings não nos notaria. Que a escola nos defenderia. Que o mercado nos empregaria pelo nosso esforço, “mérito” e qualificação. E que o Estado que nos libertou, não nos mataria. São tempos de extremos.
Chegamos ao aumento de 428% na mortes de jovens negros nas duas últimas décadas. Políticas públicas que poderiam amenizar o processo de exclusão vêm sendo questionadas por representantes eleitos pelo povo, preto em sua maioria. O discurso de ódio contra negros circula livremente, sem aquele constrangimento que nos garantia o mínimo de respeito. Mulheres pretas são 81% das vítimas no Facebook. Vamos denunciar exaustivamente. A corda está esticada. A contagem agora é para saber: em quanto tempo ela arrebenta e vamos ter aquele dedo de prosa com nosso vizinho malandro? Aliás, quem é você nesta história? Clara dos Anjos? O vizinho malandro?