Em Belo Horizonte, apenas uma candidata, esposa do ministro do Turismo, recebeu R$ 690 mil
Baseado nos dados fornecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o jornal O Globo realizou uma pesquisa e aponta que 237 mil candidatos pretos e pardos, em todo país, não receberam qualquer valor dos partidos políticos provenientes do fundo eleitoral.
Segundo uma determinação do Supremo Tribunal Federal, as legendas são obrigadas a destinar, aos candidatos autodeclarados negros, valores iguais à participação no total de candidaturas. No entanto, o levantamento mostra que os candidatos pretos e pardos receberam 40% do fundo. Ainda de acordo com O Globo, os candidatos brancos correspondem a um percentual menor, cerca de 48% das candidaturas, e receberam 60% dos valores do fundo partidário.
Para a cientista política, especialista em cultura afro-brasileira e comunicação política, Juliana Silva, essa situação acontece porque os partidos políticos não querem perder espaço e investir em quem “não vai ganhar”. “O que os partidos querem é ganhar espaços. E se pessoas negras estão entrando agora para a política, o partido pensa que terão poucas chances, então não investe. Querem colocar todo o recurso em quem eles acham que tem potencial de vencer eleições”, afirmou.
Ainda segundo Juliana, o que vem acontecendo com a divisão de recursos, é o mesmo que ocorreu nas eleições de 2018, em relação à obrigatoriedade de mulheres nas chapas. “Eles escolhem alguns poucos nomes para destinar algum recursos, e para os demais demoram a destinar, enviando às vezes na última semana da campanha. Isso fica ainda pior quando é mulher negra. Pode ser uma forma de boicotar a normativa induzindo que ela não dê resultado para que não seja mantida. E assim, se mantém o status quo de pessoas negras com pouco espaço político e suas demandas não sendo atendidas por não ter representatividade política”, comentou.
Além disso, Juliana ressalta também que a justiça eleitoral precisa coibir essa prática, impondo sanções aos partidos que não cumprirem a regra. “A normativa precisa ser detalhada estipulando prazos e valores. Se não houver sansão pro partido eles vão permanecer assim”, lamenta.
Acesso à política
Juliana destaca ainda que é necessário investimento em vários aspectos e que as pessoas negras não entram na política justamente por serem, em sua grande maioria, de camadas mais pobres da sociedade e sem acesso a estudos. “Precisamos de políticas públicas que nivelem pessoas negras para educação. Cotas servem pra isso e estamos no caminho. Já foi um grande passo para que mais pessoas negras tenham interesse em entrar na política. Agora, precisamos sair dos bastidores e ganhar as eleições porque políticas públicas voltadas para pessoas negras que atendam de fato nossas demandas só serão feitas por pessoas negras, por isso precisamos de representatividade”, afirmou.
Verba para esposa do ministro
Em Belo Horizonte, a candidata a vereadora pelo PSL, Janaina Cardoso, recebeu R$ 692 mil direcionados pela executiva nacional do partido para a sua campanha. Um detalhe é que a candidata é esposa do Ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que é investigado por suposta lavagem de dinheiro nas eleições de 2018, quando era candidato a deputado federal. Em nota, os demais candidatos do partido, formado por maioria branca, repudiaram a atitude do diretório nacional do Partido. Eles alegam que a destinação desse valor a apenas uma candidata causa desigualdade e desequilíbrio financeiro na disputa entre os candidatos. “Entendemos que há necessidade de um equilíbrio entre as candidaturas, uma vez que os recursos públicos constam em lei e, por isso, é legal. Contudo, a forma de repasse é imoral”, afirma a nota.
A reportagem do Notícia Preta procurou o PSL de Belo Horizonte, mas até o fechamento desta matéria, não respondeu às nossas perguntas.
Aumento do número de autodeclarados negros
Com a determinação do STF, cerca de 25 mil candidatos mudaram sua raça declarada nesta eleição. Ao todo, 40% dos candidatos mudaram sua autodeclaração, passando de branco para negro. Do total de candidaturas, 49,9% das pessoas que concorrem a algum cargo eletivo este ano se declararam negras (junção de pretos e pardos), segundo dados do TSE.