Caso é considerado o mais longo de escravidão contemporânea no Brasil
A Justiça do Trabalho reconheceu, na última sexta-feira (14), a relação trabalhista de uma idosa que ficou em condição análoga a escravidão por mais de 70 anos, na casa de uma família no Rio de Janeiro, como empregada doméstica. Com isso, a justiça condenou mãe e filho, a pagarem uma indenização de R$600 mil à vítima por danos morais individuais e verbas trabalhistas das sete décadas de trabalho não remunerado.
A decisão, que decorreu da ação civil pública (ACP) e foi ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro (MPT-RJ), determinou que os empregadores paguem todas as verbas trabalhistas de janeiro de 1967 a maio de 2022, período em que a vítima esteve em condições de escravidão na família, além do pagamento de R$300 mil por danos morais coletivos.
A vítima foi resgatada em 2022, quando tinha 85 anos, e se tornou a pessoa com maior tempo em condição de escravidão contemporânea. Ela realizava trabalhos desde os 12 anos por três gerações da mesma família. Segundo investigações, o empregador possuía os documentos pessoais da idosa e realizava o saque de sua aposentadoria, sem que nenhum valor fosse repassado à vítima.
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sete décadas em uma mesma família /Foto: Reprodução/TV Globo
O juiz do Trabalho, Leonardo Campos Mutti, da 30ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, reconheceu o trabalho em condições análogas à escravidão no espaço doméstico, conforme o art. 149 do Código Penal.
Em sentença, afirmou que a vítima “trabalhou ao longo de praticamente toda a sua vida com dedicação exclusiva e integral aos réus, em prejuízo de sua própria vida e de seu pleno desenvolvimento como pessoa, sem receber salário ou qualquer outro direito trabalhista, sem liberdade, submetida a condições degradantes de trabalho e a todo tipo de restrição, sendo privada até mesmo de ter a plena consciência de que era vítima de grave ilicitude praticada pelos réus”.
A procuradora do trabalho Juliane Mombelli, responsável pelo processo judicial, relatou que a decisão de reconhecimento da relação de trabalho em condições análogas à escravidão desde a infância da vítima “demonstra um amadurecimento do judiciário brasileiro no enfrentamento de situações de grave violação aos direitos humanos”.
Caso não é isolado
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), através da Fiscalização do Trabalho, informou que no ano de 2023 foram resgatados 3.190 trabalhadores em condição de trabalho análogo à escravidão no Brasil, sendo o maior número de resgates nos últimos 16 anos. Além disso, registrou recorde de R$12.877.721,82 em pagamento de verbas salariais e rescisórias aos trabalhadores resgatados pela fiscalização do trabalho.
Segundo levantamentos divulgados pelo grupo internacional de direitos humanos Walk Free, através do Índice Global de Escravidão 2023, estima-se que naquele ano mais de 1 milhão de pessoas viviam em condição de escravidão contemporânea no Brasil, colocando o país na 11ª posição do ranking mundial, em comparação a 160 países.
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