A pandemia do coronavírus acabou com o fluxo de visitantes na aldeia da jovem Maira Gomez, de nome indígena Cunhaporanga Tatuyo, de 22 anos. Foi então que aindígena que vive em uma aldeia na floresta amazônica, às margens do Rio Negro, local acessível apenas por barco, decidiu fazer vídeos no Tik Tok.
No início ela fazia vídeos clássicos da plataforma com as famosas dancinhas, mas nenhum deles encontrou muito público. Ela então mostrou para a câmera uma larva de besouro e disse: “As pessoas perguntam: ‘Cunhaporanga, é verdade que você come larva mesmo?” “Claro que comemos! Quer ver?”. E comeu! Após esse vídeo a menina atingiu mais de 6 milhões de seguidores na plataforma.
O inseto acabou (“Mmmhhh”, disse Cunhaporanga) e assim nasceu uma nova estrela viral.
A casa de Cunhaporanga é um conjunto de cabanas com telhado de palha à beira do rio, cercadas apenas pela floresta amazônica. As dezenas de moradores que moram lá são membros do povo Tatuyo. Eles pintam o rosto de vermelho, usam cocares de penas elaborados, vivem ao lado de araras que, Cunhaporanga adverte, não devem ser confundidas com animais de estimação e sobrevivem do que podem crescer ou pegar.
Tudo isso agora é um cenário vívido para o que se tornou uma das presenças de mídia social mais dinâmicas e de crescimento mais rápido no Brasil. Em pouco mais de 18 meses, Cunhaporanga reuniu mais de 6 milhões de seguidores no TikTok, simplesmente mostrando cenas do seu dia a dia. Para ela, as atividades que publica não são nada de especial. Mas para seu público que só cresce, Cunhaporanga trouxe uma intimidade repentina e um mundo que não poderia parecer muito distante para alguns.
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À medida que a mídia social chega à floresta amazônica, uma das últimas fronteiras da mídia digital, ela abre uma janela sem precedentes para a vida indígena, removendo barreiras antes impostas pela geografia. Pela primeira vez, alguns dos povos mais isolados podem eles mesmos estabelecer uma comunicação diária com o mundo exterior, sem os filtros tradicionais de jornalistas, acadêmicos ou defensores.
“Esta é uma oportunidade importante”, disse Beto Marubo, do povo Marubo, cujo povo acabou de entrar na Internet e já está se espalhando. “O povo brasileiro não conhece os indígenas, e dessa falta de informação surgiram todos os tipos de estereótipos terríveis, como o de que o indígena é preguiçoso, indolente ou infeliz”.
A digitalização da vida indígena agora colide com algumas das correntes políticas mais poderosas do Brasil. O presidente Jair Bolsonaro chegou ao poder lamentando o tamanho dos territórios indígenas e defendendo sua abertura aos interesses comerciais. Descreveu os indígenas estrangeiros, sendo que esses são os povos originários. “Os índios não falam nossa língua, não têm dinheiro, não têm cultura“, disse Bolsonaro em 2015, enquanto planejava publicamente sua candidatura à presidência. “São povos nativos. Como passaram a ter 13% do território nacional? ”.
Em um local daquela terra indígena no mês passado, Cunhaporanga, que fala um português impecável e se considera totalmente brasileira, caminhava ao sol, com o TikTok na cabeça. Ele queria continuar mostrando a cultura de seu povo, mas não sabia por quanto tempo poderia fazer isso. Foi aí que ela teve uma idéia olhando para a antena parabólica da vila, instalada no final de 2018, que custa R$ 340 por mês.
“É muito caro”, disse ela, ainda sem saber como ganhar muito em uma plataforma que muitas vezes é difícil de monetizar. Alguns fãs doaram alguns dólares aqui e ali, mas não muito. Agora, seu pai, o chefe da aldeia, disse que a comunidade em breve teria que cancelar sua conexão com a Internet. Isso cortaria seu acesso às redes sociais e poderia encerrar sua carreira no TikTok.