O crescimento do número de cristãos no continente africano, especialmente católicos, chama atenção pelo ritmo acelerado e pelo peso histórico que carrega. Segundo o Annuario Pontificio 2025 e o Annuarium Statisticum Ecclesiae 2023, publicados pelo Escritório Central de Estatística do Vaticano, a África foi o continente com maior aumento proporcional de católicos entre 2022 e 2023: um salto de 3,31%, o equivalente a cerca de 9 milhões de novos fiéis em apenas um ano. Hoje, o continente já abriga 20% da população católica global — mesmo percentual da Europa.
Esse avanço, no entanto, não pode ser compreendido sem considerar o processo histórico de colonização e evangelização que moldou o continente ao longo dos últimos cinco séculos. A imposição do cristianismo em territórios africanos acompanhou a chegada dos colonizadores europeus a partir do século 15. Portugueses, franceses, belgas, britânicos e espanhóis espalharam igrejas, escolas missionárias e práticas religiosas que não apenas converteram povos africanos à força, mas também deslegitimaram suas crenças ancestrais, como o islamismo africano, o animismo e as religiões tradicionais.

De acordo com o relatório World Christian Database 2023, o cristianismo hoje representa cerca de 49% da população africana, enquanto o islamismo responde por 42%. Dentro do cristianismo, o número de evangélicos e pentecostais tem crescido de forma ainda mais vertiginosa do que o catolicismo. Estudo do Pew Research Center aponta que, entre 1970 e 2020, o número de cristãos evangélicos africanos saltou de 17 milhões para mais de 200 milhões. No mesmo período, a população católica passou de 55 milhões para mais de 250 milhões, mantendo liderança numérica, mas enfrentando concorrência acirrada.
Esse fenômeno é impulsionado por diferentes fatores. No caso da igreja católica, há um investimento institucional em seminários, ordens religiosas e serviços sociais. Segundo a Agência Fides, entre 2022 e 2023, a África ganhou 1.676 novos padres — crescimento que reforça a estrutura e a expansão da Igreja no continente. Já o avanço evangélico se dá, sobretudo, através de igrejas independentes e pastores carismáticos que utilizam a comunicação direta e as redes sociais para atrair fiéis, especialmente nas periferias urbanas e regiões rurais.
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O que une ambos os movimentos é a continuidade do processo de cristianização que, embora tenha assumido novas formas no século 21, segue reproduzindo padrões coloniais e apagando espiritualidades africanas. “A conversão religiosa na África foi historicamente marcada por coerção, imposição cultural e repressão às religiões locais”, afirma o antropólogo congolês Jean-Marc Ela, em sua obra Repensando a Teologia Africana. Para ele, o crescimento do cristianismo deve ser analisado à luz de um projeto histórico que ainda hoje influencia identidades, políticas e modos de vida no continente.
Com uma população que deve dobrar até 2050, segundo a ONU, a África se tornou o novo centro estratégico das religiões globais. Entre disputas por fiéis, interesses econômicos e influências culturais, o continente segue sendo alvo de missões religiosas estrangeiras — muitas delas ainda pautadas em lógicas de dominação e silenciamento das cosmovisões africanas. O crescimento numérico do catolicismo, portanto, não pode ser lido apenas como um dado estatístico, mas como reflexo de um processo contínuo de conversão que atravessa séculos de resistência e imposição.