“A identidade nacional construída pela história sempre foi branca”, afirma historiador

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A história brasileira tem uma série de personagens importantes que se destacaram ao longo dos 200 anos da Independência, e até antes dela, desde a chegada dos portugueses. Mas nem todos os nomes que foram referência na construção do Brasil foram reconhecidos pela história e lembrados pelo povo. 

Com o tempo, muitos heróis negros brasileiros foram esquecidos, e quase apagados. Para o professor, escritor e historiador Jorge Santana esse apagamento histórico de figuras negras importantes acontece com frequência no Brasil para evitar que novas lideranças negras surjam. 

Lélia, 1977. Foto: Alberto Jacob
Lélia Gonzalez, 1977 /Foto: Alberto Jacob

“Se olhar para a história e não ver que tiveram outros que se levantaram, dificulta que novas figuras possam emergir”, explica o professor, que também diz que a outra motivação para o exclusão de nomes de agentes negros importantes da história nacional tem haver com a tentativa de embranquecimento do país. 

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“A identidade nacional construída pela história sempre foi branca. Então sempre escolher figuras e ícones brancos para construir um Brasil que não condiz com a realidade mas condiz com os ideais e com a caracterização racial da elite econômica e política, que é branca”, comenta.

O historiador cita, dentre as tantas personalidades pouco reconhecidas, o arquiteto Tebas – que após conseguir sua alforria se tornou um dos arquitetos responsáveis por alterar a arquitetura de São Paulo durante o Brasil Colônia.

Chaguinhas – que foi um cabo do Primeiro Batalhão de Santos durante o Império, e liderou um motim por igualdade e justiça e depois foi morto -, Dandara Palmares – uma líder combatente no Quilombo de Palmares, que lutou ao lado de seu marido, Zumbi dos Palmares, na resistência contra a escravidão

Por último, mas não menos importante, Lélia Gonzalez – que foi uma intelectual, autora, política, professora e filósofa pioneira nos estudos sobre Cultura Negra no Brasil e o papel das mulheres negras. 

Para o historiador Jorge Santana, as figuras negras tiveram um papel importantíssimo para a edificação do país. “No momento que você apaga a Lélia Gonzalez, você apaga a intelectualidade negra. Quando você apaga o Tebas você apaga a contribuição negra na arquitetura do Brasil”, sinaliza.

E isso se aplica a várias outras áreas também, que segundo o professor, contraria um pensamento também originado do racismo. 

“Durante muito tempo se construiu uma história onde os negros só eram importantes em determinados aspectos para retificar a população negra, como no esporte e na música, quando também somos importantes na política, na arquitetura, na engenharia”, desenvolve, citando também a figura de André Rebouças, que foi um engenheiro que também foi um grande articulador do movimento abolicionista e que não usava mão de obra escravizada em seus projetos. 

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Sendo assim, resgatar a memória desses nomes que estão inevitavelmente marcados na história, é assumir um compromisso com o país, algo que o Movimento Negro Unificado (MNU) já faz há muito tempo.

“O movimento negro tem a tarefa de tensionar o poder, os meios de comunicação, as universidades, para esse legado seja valorizado e colocado lado a lado com as figuras brancas que sempre foram colocados nesse lugar de grandes nomes para o Brasil”, afirma o professor que cita outra figura negra relevante. 

Carolina Maria de Jesus autografando seu livro /Foto: Arquivo Nacional
Carolina Maria de Jesus autografando seu livro /Foto: Arquivo Nacional

A escritora Carolina Maria de Jesus, que foi uma das primeiras escritoras negras do Brasil. “Se a gente for pensar que na década de 50 e 60 ela já era uma escritora reconhecida internacionalmente com livros traduzidos em mais de 30 línguas, mas a estátua dela só foi inaugurada este ano, demonstra o quanto ela já era relevante mas o quanto a elite brasileira se recusou a reconhecê-la da forma que ela deveria”, revela.

O historiador conta que é um desafio tirar essas figuras do anonimato, mas que essa luta é responsabilidade de várias frentes, incluindo dentro da sala de aula. 

“Como professor, é trazer essas figuras para os livros didáticos. Mas essas pessoas também precisam estar nas peças de teatro, nos meios de comunicação…enfim, elas precisam ser retratadas em diversas frentes para que a gente possa construir um país que valorize todas as figuras históricas importantes, de todas as raças”, detalha o historiador, que garante que esse movimento é revolucionar a forma com que a história do Brasil é contada. 

Passa por eles terem o prestígio e a visibilidade que eles sempre mereceram e que não tiveram até hoje em um projeto de país branco, racista e alijado da participação negra”, conclui o professor e historiador Jorge Santana.

Bárbara Souza

Bárbara Souza

Formada em Jornalismo em 2021, atualmente trabalha como Editora no jornal Notícia Preta, onde começou como colaboradora voluntária em 2022. Carioca da gema, criada no interior do Rio, acredita em uma comunicação acessível e antirracista.

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