Flip 2019: Se a situação está negra ela está ótima

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mesa Uauá, composta por Adriana Calcanhoto, Guilherme Wisnik e Nuno Grande

O primeiro dia de cobertura da Flip 2019 pelo Notícia Preta começou com algumas declarações questionáveis e um exemplo de racismo durante a mesa Uauá, composta por Adriana Calcanhoto, Guilherme Wisnik e Nuno Grande, que aconteceu no Auditório da Praça. O debate girou em torno do entrelaçamento do desenvolvimento histórico e cultural brasileiro com a arquitetura e dois momentos de Wisnik chamaram a atenção: primeiro, quando ele disse que a classe média brasileira [da década de 1950, época da Bossa Nova] conseguiu unir muito bem a cultura popular e a européia; depois, ele disse que João Gilberto e Oscar Niemeyer “inventaram” o Brasil.

Já a colocação racista ficou por conta do português Nino Grande. Num momento em que a imagem de Jair Bolsonaro estava na tela, após sonoras vaias, ele diz: vivemos dias negros agora. Apesar de a edição deste ano da feira homenagear Euclides da Cunha que, como lembrou Nei Lopes, tem declarações discriminatórias quanto mestiçagem, chama a atenção, em pleno 2019, um evento que aborda as várias formas de linguagem não atentar para toda a discussão racial em torno de velhas e novas escritas e epistemologias. 

mesa Uauá, composta por Adriana Calcanhoto, Guilherme Wisnik e Nuno Grande

Ainda sobre a programação oficial, a noite foi encerrada pela mesa Quirinquinquá, com os escritores e músicos Gaël Faye e Kalaf Epalanga. Os dois estão lançando livros que falam sobre identidade, mestiçagem e migração. Há vários pontos interessantes na fala dos dois, mas o que chamou a atenção foi quando Faye, que é de Ruanda, explica de maneira resumida a motivação do genocídio que aconteceu entre os Tutsis e os Hutus a partir de uma fala do livro, onde o pai conta ao filho que a guerra começou por causa da diferença no tamanho do nariz, já que culturalmente todo mundo era igual.

“É preciso pensar que Tutsis e Hutus são construções coloniais. Não havia essa divisão antes do europeu chegar. Foi ele quem separou e classificou a população de Ruanda a partir de sua percepção estética”.

Flip Preta

Paralelamente,e sem nenhum apoio, começou ontem também a Flip Preta no Restaurante do Quilombo, localizado no Quilombo do Campinho. Além da programação previamente divulgada, há também uma estrutura de apresentações culturais, venda de comidas e também oficinas. No período da tarde, aconteceu uma de abayomi com Betânia para crianças que foi muito bonita de acompanhar. Veja o vídeo abaixo:

Uma das organizadoras do evento, Daniele Elias Santos, que nasceu e foi criada no Quilombo do Campinho, explicou que a ideia surgiu a partir dos coletivos e associação de moradores.

“A briga toda foi pelo território, quando a gente consegue titular esse espaço, a gente começa a pensar num desenvolvimento local. Como a gente consegue pensar numa geração de renda para a comunidade. Para que as pessoas não precisem sair para trabalhar fora, o fortalecimento e manutenção da cultura. A ideia é dar uma cara nossa a esse tema, já que a Flip é muito bacana, mas muito elitizada. Ela não é feita para a população paritiense, mas para o público de fora”, explica Daniele.

Ela pontua que o objetivo é mostrar que os saberes ligados a negritude incluem não só, mas também a literatura:

“Não temos praticamente nenhum apoio, fizemos na força e na garra. Estamos felizes por quem vier, colaborando e por entender que a qualidade e a importância dessa temática racial junto à literatura que sempre foi afastado da gente. Sempre nos afastaram da intelectualidade por conta do papel e da escrita, mas a gente é intelectual de várias formas. A gente nasceu assim, né?

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