Flávia Oliveira e Marcos Luca Valentim comentam ausência de jornalistas negros em cargos de liderança

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O último mapeamento feito sobre os jornalistas que ocupam as redações brasileiras mostrou que esses espaços não retratam a realidade de um país que possui 56% da sua população composta por pessoas negras. Apesar de ser maioria, a pesquisa “Perfil Racial da Imprensa Brasileira”, realizada por um grupo de portais e institutos jornalísticos, mostrou que apenas 20% dos profissionais de imprensa se autodeclararam negros.

A presença de jornalistas negros é pequena de maneira geral, mas quando a situação se aplica aos cargos de chefia e liderança, esse número, seguindo as proporções, fica comprometido. De acordo com o levantamento feito em 2021,  39,8% dessas posições são ocupadas por profissionais negros, enquanto que 61,8% são ocupados por jornalistas brancos. 

Para a jornalista Flávia Oliveira, que trabalha há 31 anos na imprensa profissional, falar de diversidade no jornalismo significa agregar riqueza aos debates abordados em uma redação ou empresa jornalística. E para além das demais ocupações da redação, ela destaca a importância de ter profissionais negros à frente das equipes. 

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A jornalista Flávia Oliveira trabalha há 31 anos na imprensa profissional /Foto: Divulgação

“Quanto mais diversidade no processo de decisão, de pautar, de distribuir os temas e apoiar politicamente determinadas abordagens, ele se amplia. Então é importante que essa diversidade seja transversal e deve alcançar todos os níveis de função. Porque se você tem repórteres diversos – do ponto de vista de gênero e de raça – mas os repórteres cinematográficos e fotógrafos não são assim, vai ter diferença”. 

Flávia, que é comentarista do programa Estúdio i e do Jornal Edição das 18h, além de integrar também a equipe do jornal Em pauta e do Jornal das Dez, todos da GloboNews, também trabalha como colunista do jornal O Globo – onde trabalha há quase 10 anos -, atua como colunista na CBN, além de comandar o podcast “Angu de Grilo” ao lado de sua filha, a também jornalista, Isabela Reis.

Na visão do jornalista Marcos Luca Valentim, que é Editor de Esportes na Globo e líder do grupo étnico-racial da emissora, ter pessoas negras nas redações é extremamente importante para determinar como as histórias serão contadas. “Como só tem pessoas brancas relatando fatos para uma população majoritariamente negra? Tem alguma coisa errada, diz o jornalista, que completa:

“O jornalismo, como já dizia Malcolm X, se agente não tiver cuidado ele faz você odiar o oprimido, e amar o opressor. Então se nós não estivermos nesses lugares onde são construídas as narrativas, a mesma versão da história vai ser passada. Uma versão onde nós somos subjugados, subnotificados e onde há apenas uma verdade que não nos favorece, e estamos falando aqui da maioria do país”.

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O jornalista Marcos Luca Valentim é Editor de Esportes na Globo /Foto: Divulgação

Marcos ainda cita a jornalista Glória Maria, que faleceu em fevereiro deste ano. Mulher preta que alcançou não só o sucesso, mas também, em suas palavras, a excelência, e se tornando uma importante referência. Sendo assim, Marcos acredita que essa representatividade é combustível para os demais profissionais, e que estar nesse lugar de editor também é trabalhar com essa consciência. 

“Ter liderança e destaque nessas redações é acreditar primeiro que precisa de mais pessoas como nós, para que haja a identificação e poder assim, oferecer possibilidades aos mais novos – que também se enxerguem nesse lugar de pavimentar o futuro – mas também como noticiar as coisas. Pois o racismo não é só o que é dito. Entre você me chamar de macaco e me matar, tem uma infinidade de violências”. 

A pesquisa de 2020 do Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa (GEMAA) da UERj intitulada “Negros nos jornais Brasileiros” mostra que de todos os colunistas dos três jornais de maior circulação no Brasil, apenas 2% são negras. Para a jornalista Flávia Oliveira, que compõe essa porcentagem, ocupar esse lugar é extremamente relevante. “Essa diversidade além da abordagem das pautas objetivamente, do factual, também é importante você ter pessoas negras nos espaços de opinião”. 

Leia também: Ataques contra jornalistas aumentaram 23% em 2022, diz relatório da Abraji

Flávia também destaca que junto de mais jornalistas negras nas redações, é preciso que os jornalistas brancos também participem dessa luta. 

“O fato de você ter pessoas negras na sua equipe, não significa que as pessoas brancas de uma equipe não tenham que ter letramento racial para saber abordar corretamente os temas relacionados às desigualdades raciais. Digo isso porque, se não, você confina profissionais negros a pautas únicas, o que também não é justo. Uma vez que pessoas negras não estão qualificadas somente para falar de racismo, e pessoas brancas também podem estar qualificadas para falar de racismo já que esse é um problema que não é somente dos negros. É dos brancos também, do Brasil e do mundo”. 

Engajado na questão racial, Marcos conta que o coletivo negro foi criado espontaneamente a partir da ligação de uma amiga, onde foram convocando pessoas negras no complexo empresarial da empresa.  Após a consolidação das reuniões organizadas pelos próprios funcionários, a própria Globo criou a área de diversidade comandada por Kellen Julio, uma mulher preta, que concedeu ao coletivo a chancela institucional, proporcionando por exemplo workshops, e ferramentas para o grupo promover a transformação. 

Parte da mudança

Flávia Oliveira conta, com todo esse contexto, como se sente em ocupar esses espaços de destaque tanto na TV quanto nas colunas que assina, e como se sente com tamanha visibilidade, que ela conta ter alcançado, principalmente na época da pandemia da Covid-19. 

“Eu me sinto bem, pois tem uma percepção de contribuição para o debate não apenas racial já que sou uma jornalista na origem, dedicada ao jornalismo econômico e os indicadores sociais, e acho que na economia, como não é tão comum ter pessoas negras na frente das câmeras debatendo temas econômica, eu acho que isso é muito útil para derrubar algumas barreiras de estereótipos”. 

Mulher negra, jornalista, em um programa de TV
Jornalista durante a apresentação do jornal da GloboNews /Foto: Reprodução

Mas apesar de se sentir bem não só com a contribuição mas também com as demonstrações de carinho por parte do público, deixando-a em certa medida realizada profissionalmente, a jornalista confessa que esse lugar precisa ser ocupado por mais profissionais da imprensa negros. 

“Somos poucas e às vezes eu me sinto muito solitária e sobrecarregada com uma agenda que é muito ampla, e que não pode ser só minha. Eventualmente eu agrego assuntos, temas, comentários de outras áreas que agregam outras minorias que eu não faço parte em razão dessa sensibilidade. Mas eu acho que tem que ter mais gente. Preta, branca, indígena, gay, lésbica, trans…tratando disso”, explica Flávia. 

Já Marcos diz sentir o peso da responsabilidade que carrega ao ocupar o lugar que está hoje. “Eu me sinto com uma grande responsabilidade. Sempre pensei que podia fazer coisas que eu acredito, mas com muita humildade, tentando só ajudar nessa engrenagem que é nossa, que é coletiva. Ter essa responsabilidade de disputar as narrativas para que não haja o monopólio da verdade absoluta.

Homem negro, jornalista, em um programa de TV
Jornalista durante a apresentação do programa do SportTV /Foto: Reprodução

O jornalista também afirma que ainda há muito o que fazer ainda, e que a luta por equidade racial não só no meio jornalístico mas no mundo em geral, deve continuar. 

“Eu acredito que tem muito o que avançar. Já foi muito pior, mas tá longe do ideal ainda. E o nosso propósito é trabalhar cada vez mais. Eu sei que eu vou morrer sem ver o que eu acredito se realizando, sem ver o mundo que eu acho o ideal existindo, mas eu vou ter feito um pouco do que está ao meu alcance para que isso pudesse acontecer”. 

Bárbara Souza

Bárbara Souza

Carioca da gema, criada em uma cidade litorânea do interior do estado, retornou à capital para concluir a graduação. Formada em Jornalismo em 2021, possui experiência em jornalismo digital, escrita e redes sociais e dança nas horas vagas. Se empenha na construção de uma comunicação preta e antirracista.

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