Dos olhos azuis? Dificilmente, até por que raras são as mulheres da pele preta com olhos azuis. Olho azul, na maioria das vezes, faz parte do combo pele branca e cabelo amarelo. Uma frase tão curta mas que diz tanto, a pele preta só é bonita e poesia quando rara como essa dos olhos azuis. Preto no Brasil não é uma questão de cor da pele e sim de conta bancária. Preto que faz sucesso não é preto.
Eu como criança preta dos anos 80 nunca tive um preto como referência, o Pelé não é preto, o Jairzinho do Balão Magico também não, muito menos a Xuxa, as Paquitas, a Angélica e a Mara Maravilha, até o Michael Jackson virou branco com o tempo. Por muito tempo eu não sabia qual era minha cor, eu não era preta até estudava em colégio particular, morava em condomínio fechado, fazia curso de inglês e balé, e eu tinha certeza que eu não era branca também, até porque quando eu via a Xuxa, a começar pelos cabelos, ficava claro que não éramos da mesma cor. Nem preciso falar da Barbie, aliás ainda me lembro do dia que minha avó me deu uma boneca com o mesmo tom de pelo que o meu, minha primeira boneca preta que minha mãe guardava de recordação até pouco tempo, claro, que ela não tinha marca, era daquelas boneca que a amiga da avó faz.
Até os 12 anos eu era moreninha, aquela que no futuro ia sambar « na tela da tevê no meio desse povo », tai aí uma coisa que toda menina preta que sabia sambar já ouviu, como se a única profissão possível fosse a de passista, ou melhor ainda, Globeleza.
A partir dos 12 anos a grande revelação resolvi assumi minha branquice, e comecei a alisar meu cabelo ruim, e durante 16 anos 2 vezes por ano eu tentava me esbranquiçar, até o dia que uma cabeleireira me falou algo revelador « não existe cabelo ruim, nunca vi um cabelo fazer maldade com alguém, mentir, trair, querer matar ». E a partir desse dia, que resolvi assumir meu cabelo cacheado, uma libertação e uma revelação, sou preta.
E como mulher preta e recentemente mãe de um mestiço, minha visão do mundo passou a ser ainda mais crítica. Atualmente moro na França e lembro bem quando vim pela primeira vez, o preto francês tem orgulho das suas raízes, o preto francês é mais preto que o preto brasileiro, foi na Franca que vi pela primeira vez, pessoas com roupas típicas africanas fora do carnaval, lembro de pensar que isso não era à toa, o lema Francês, é Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Hoje, após três anos morando aqui, perdi um pouco daquele olhar encantado, o preto francês também sofre preconceito, quando vou para o interior da França, na maioria das vezes, sou a única pessoa de cor no restaurante. Ainda assim, continuo achando que o preto francês é mais preto que o preto brasileiro.
Contudo a França colonizou a África, o preconceito também existe por aqui, o discurso que o modelo europeu é o único que vale ainda faz parte do imaginário do francs europeu. E nesse legado a mídia ainda é controlada pelo branco 100% francês AOP (Appellation d’Origine Protégée – denominação de origem protegida). Como no Brasil a notícia é escrita por mãos brancas, sem isenção de cor e cheia de pré-conceitos que filtram a notícia.
Um exemplo que aconteceu recentemente foi o espaço e a abordagem de 3 notícias que tratavam de questões raciais. A primeira sobre 2 adolescentes negros que juntos com um amigo processaram o estado francês por racismo, a segunda sobre o PSG que usa critérios de cor e raça para selecionar seu^s futuros talentos, e uma outra sobre o racismo sofrido pelo jogador italiano Balotelli, que atualmente joga no clube francês Nice.
O que chamou minha atenção foi a repercussão, tanto o PSG quanto o Balotelli foram notícia destaque em quase todas as mídias, ao contrário do que foi visto com a história dos adolescentes.
E após analisar com mais detalhe algumas frases usadas mostram que ainda enxergarmos a notícia com olhos brancos, ou azuis, se você prefere.
Alguns exemplos, o caso dos jovens negros não virou notícia por que eles processaram o estado, e sim por que eles conseguiram levar o processo até a Suprema Corte de Paris. Eles acusam o estado de « contrôles aux faciès » (controle de identidade motivado por razões baseadas em “etnia, raça, religião ou suposta origem nacional), na época do ocorrido eles não tiveram nenhum espaço midiático, outro detalhe a mídia os chama de jovens negros, mesmo se eles ainda são adolescentes, o preconceito típico, adolescentes brancos de 19 anos x jovens negros de 19 anos (temos mais empatia por adolescentes do que por jovens). E eles só conseguiram levar o caso a frente por que foram amparados pela professora branca, a ideia de que a palavra do branco tem mais poder e a tentativa de tornar essa professora uma heroína, uma branca que defende os negros.