Espetáculo leva o trabalho doméstico e o direito ao conforto ao centro da cena artística.
Até o dia 10 de novembro, a atriz e performer Ana Flavia Cavalcanti está em cartaz com o espetáculo performático “Conforto” no Sesc Pompeia, em São Paulo. Após 15 anos de carreira, a atriz entra em cena para reviver sua trajetória profissional – e de vida – pregressa: antes de se tornar atriz, Ana foi babá e acompanhava a mãe diarista nas casas de família onde trabalhava.
A peça costura memórias de quando Ana Flavia acompanhava sua mãe, a diarista Val Cavalcanti, que participa como performer convidada em “Conforto”. As apresentações acontecem de terça a sexta-feira, às 20h30, com classificação de 12 anos.
Ao fazer alusão a um amaciante de roupas durante a peça, a autora lança mão de referências da cultura popular logo de saída. Depois, com um borrifador de perfume em punho e vestida de paquita, a atriz inicia, em “Conforto”, um novo capítulo de sua trajetória.
De acordo com a atriz, elaborar o espetáculo foi bastante reflexivo. “Enquanto criava o espetáculo Conforto eu me perguntei diversas vezes: Ana Flávia você conhece o conforto? Você merece o conforto? Qual foi o maior conforto que você já se deu, se permitiu? Essas são questões que me atravessam nos dias atuais“, conta.
Depois de um tempo, Ana conta que chegou a uma conclusão. “Me parece que o conforto é ao mesmo tempo uma coisa palpável, real e também um estado emocional, um sentimento. O conforto está relacionado ao poder aquisitivo e as garantias dos direitos trabalhistas como remuneração ajustada ao valor real da moeda corrente, acesso à saúde, a lazer, cultura, mobilidades e também as subjetividades do indivíduo. O que é valioso para cada um”, diz a atriz, que continua:
“Acho que o equilíbrio dessas ilhas de conforto nos geram prazer e bem estar. E é isso que eu quero pra mim e para meu povo. Concretamente o maior conforto que me ofereci foi minha casa própria nos algodões. E pra terminar eu queria contar uma história que está no espetáculo. Eu plantei um pé de algodão em casa, ele nasceu, floriu e deu frutos. Fiz minha própria colheita de algodão e os carrego comigo. A gente colhe o que planta. Eu sinto conforto quando eu toco esse algodão, eu plantei ele, eu colhi ele, eu separei o algodão da semente, ele é macio, parece uma nuvem. Bem Comfort”, relata a atriz
Para discutir segurança alimentar,por exemplo, a artista foi buscar inspiração nas imagens do café da manhã que era servido no programa matinal “Show da Xuxa”, onde a apresentadora oferecia um banquete para uma pessoa escolhida da plateia. Esse momento no programa era totalmente dissonante à realidade da maior parte da população brasileira na época: pessoas negras, periféricas e mães solos que praticamente “comiam” a tv durante a exibição.
“Esse café da manhã sempre me mobilizou. Durante a infância eu ficava grudada na tela da tv morrendo de vontade de comer aquelas coisas que eu nunca tinha visto ao vivo. A Xuxa servia favos de mel na boca das paquitas. Uvas verdes. Geleia de figo. Frutas variadas. Ricota. E a gente comendo pão seco com chá de erva cidreira”, conta a atriz.
Por esse motivo Ana Flavia inicia o espetáculo vestida de “paquita” – espécie de ajudante de palco da apresentadora – fazendo uma alusão direta ao período citado. Durante a apresentação a artista troca de figurino e volta para uma realidade mais próxima da sua primeira infância, usando uma roupa lavada e passada por sua mãe cheirando a “Comfort”.
Sobre Ana Flavia Cavalcanti
Multiartista que transita entre a direção, atuação e a performance. Ana iniciou sua vida profissional aos oito anos de idade como babá de um recém-nascido filho de uma vizinha que precisava deixá-lo com alguém para poder trabalhar. Essa realidade era a tônica da vida das crianças periféricas no Brasil nos anos noventa – “o mais velho cuida do mais novo”. Essas e outras tantas vivências são a combustão da arte criada por Ana Flavia que acredita que precisamos mudar nossa maneira de encarar o trabalho doméstico ainda muito estigmatizado, considerado um trabalho de menor valor, destinado a pessoas que não são valorizadas na sociedade.
Seu primeiro filme, o curta-metragem “RÔ teve sua première internacional no 70th Berlinale – Berlin International Film Festival. No Brasil, “RÔ teve sua estreia no 52º Festival de Brasília e ganhou o troféu Candango de melhor filme.
Em 2022 Ana Flavia estreou seu primeiro longa-metragem como diretora e atriz intitulado “BOCAINA” no Festival do Rio e em seguida na Mostra Internacional de São Paulo. “BOCAINA” foi realizado durante a pandemia de covid 19. O filme retrata a vida de duas irmãs que vivem isoladas em uma casa de roça no interior de Minas Gerais.
Atualmente Ana Flavia figura nas séries “Os Outros” com direção de Luísa Lima para o GloboPlay e “Notícias Populares” para o Canal Brasil com direção de Marcelo Caetano.
Ana Flavia também pode ser vista em “Santo Maldito” série disponível na plataforma Star+.
Natural de Diadema, região metropolitana de São Paulo, Ana Flavia é filha de uma trabalhadora doméstica aposentada. Sua mãe e suas vivências são suas grandes inspirações para a criação das performances “A Babá Quer Passear” e “SERVIÇAL”, onde ela discute a condição atual das trabalhadoras domésticas no Brasil.
As performances “A Babá Quer Passear” e “SERVIÇAL” foram exibidas no Sesc Avenida Paulista em março de 2023. Ana Flavia é formada em Artes Cênicas pelo CPT Centro de Preparação Teatral dirigido por Antunes Filho e participou de estágios no Théâtre du Soleil e na École Lecoq durante o ano de 2011, ambos em Paris.
Ela também faz parte do elenco de “A Casa de Antiguidades”, de João Paulo Miranda Maria, “Corpo Elétrico”, de Marcelo Caetano, e “RAINHA”, de Sabrina Fidalgo.
Trazer o trabalho doméstico para o centro da cena artística contemporânea tem sido a missão de Ana Flavia nos últimos anos, assinando trabalhos autorais como “A Babá Quer Passear”, “SERVIÇAL”, “Dengo Nega” e agora “Conforto”.
Serviço:
Conforto
Temporada: 17 de outubro a 10 de novembro
Terças, quartas, quintas e sextas-feiras, às 20h30
(Nos dias 24 e 25 de outubro não haverá espetáculo | Sessões duplas nos dias 9 e 10 de novembro, às 18h e às 20h30)
Classificação: 12 anos | Duração: 60 minutos | Capacidade: 50 lugares
Sesc Pompeia (Espaço Cênico)
R. Clélia, 93 – Água Branca
Ingressos: R$30 (inteira), R$15 (meia-entrada) e R$10 (credencial plena)
Vendas pelo site sescsp.org.br, a partir de 11/10, às 17h
Bilheteria: a partir do dia 11/10 às 17h, em qualquer bilheteria do Sesc São Paulo.
Acessibilidade: Espaço Cênico acessível a cadeirantes, pessoas com mobilidade reduzida, baixa visão e obesidade
Ficha Técnica:
Concepção, direção e atuação: Ana Flavia Cavalcanti
Supervisão artística: Isabel Setti e Fábio Osório
Performer convidada: Val Cavalcanti
Cenário: Marília Piraju
Cenotecnia: Cássio Omae
Figurino: Ana Flavia Cavalcanti e Marília Piraju
Trilha sonora: Lua Bernardo
Execução de música ao vivo: Lua Bernardo e Beatriz França (stand in)
Iluminação: Cynthia Monteiro
Operação de Luz: Cynthia Monteiro e Angel Taize
Operação de Vídeo: Tiago Silva
Fotografias: Hanna Vadasz, Jorge Bispo e Felipe Avila
Produção: Rafael Ferro
Produção Executiva: Jandilson Vieira
Assistente de Produção: Mariana Mollys
Assessoria de Imprensa: Pedro Madeira e Rafael Ferro
Preparação Vocal: Isabel Setti
Designer: Jonas “Joe” Borges e Daniel Kubalack
Tratamento de Fotos: Sérgio Lisboa
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